O Natal e a Psicanálise

Você já reparou que muitas pessoas experimentam tristeza e mal-estar durante esse período de Natal? Talvez você seja até uma delas.

Podemos pensar em diversos fatores que podem estar na origem dessa reação negativa à festividade natalina.

Um deles, por exemplo, poderia ser a forte associação entre o Natal e os vínculos familiares, os quais, não raro, podem ser fonte de sofrimento para muitos indivíduos.

A Psicanálise, evidentemente, não desconsidera a importância desses fatores contextuais, mas busca trazer à luz outros elementos motivacionais menos óbvios.

O psicanalista norte-americano Jule Eisenbud escreveu em 1941 um artigo chamado “Negative Reactions to Christmas” em que relata o caso de duas pacientes que tinham forte aversão ao período natalino.

O processo terapêutico revelou que a reação negativa ao Natal em ambos os casos estava associada a um profundo ressentimento que as duas mulheres conservavam desde a infância.

Com efeito, quando crianças, as pacientes haviam desejado receber um pênis de presente do Papai Noel para rivalizarem com seus respectivos irmãos — anseio que, obviamente, jamais se realizou.

Esses dois casos apresentados por Eisenbud mostram que a aversão ao Natal pode estar relacionada a experiências individuais desagradáveis vividas no contexto natalino.

Mas será que o próprio conteúdo dessa festividade pode ser um dos fatores que condicionam nossas reações a ela?

Por “conteúdo” da festividade me refiro aos elementos típicos que envolvem o Natal.

Por exemplo, a sua motivação primária (a celebração do nascimento de Cristo), o costume de trocar presentes, a lenda do Papai Noel etc.

Será que esses elementos expressam simbolicamente algum significado oculto que, por sua vez, pode influenciar a forma como emocionalmente nos relacionamos com o Natal?

O psicanalista austríaco Richard Sterba (1898-1989) acreditava que sim.

Por isso, em 1944 ele escreveu um textinho chamado “On Christmas” no qual argumenta que a festa natalina é uma grande representação simbólica… do PARTO.

Quem está na CONFRARIA ANALÍTICA receberá ainda hoje a AULA ESPECIAL “O Natal: uma interpretação psicanalítica” em que comento esse artigo do Sterba.

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Tropa de Elite 2: agora sim um filme para adultos

Amadurecimento: não há palavra melhor para qualificar o resumo da ópera do segundo Tropa de Elite. Enquanto na primeira seqüência havíamos assistido a uma série de preconceitos e visões estereotipadas dos mais diversos segmentos da sociedade, do estudante burguês de classe média ao próprio BOPE, nessa segunda seqüência o diretor José Padilha mostra que “o buraco é mais embaixo”.

O intelectual de esquerda que, no começo do filme, aparece como maconheiro, ingênuo e alienado acaba emergindo como o principal aliado de Nascimento (Wagner Moura) (um excelente sobrenome para um protótipo de herói nacional, diga-se de passagem) na luta contra os novos “alvos” que, dessa vez, são os políticos e as milícias. Essa transformação é exemplarmente operada pelo diretor, de tal modo que no início do filme o espectador inevitavelmente se coloca do ponto de vista de Nascimento e, gradualmente, vai sendo levado, como o próprio personagem, a mudar suas concepções.

Fraga (Irandhir Santos), o intelectual de esquerda em questão, um ativista de direitos humanos que é quase assassinado na cadeia ao ser feito refém durante uma rebelião de presos em Bangu I, se torna deputado e passa a ser uma espécie de elo da missão de Nascimento na dimensão política do “sistema”, essa entidade abstrato-concreta que é demonizada (de maneira justa) pelo ex-comandante do BOPE. Sim, ex. Nascimento se torna assessor do secretário de Segurança Pública e é ali, nas adjacências de seu gabinete que ele percebe que o problema da violência no Rio não se trata apenas de uma questão de mocinhos contra bandidos.

Esse é o ponto em que melhor se nota o amadurecimento do filme em relação a sua primeira seqüência. No primeiro “Tropa”, tudo se passa como se existisse uma clara fronteira de demarcação entre de um lado o BOPE, com todos os seus signos fálicos, com Nascimento encarnando com perfeição o arquétipo do herói e de outro os traficantes que naquele momento são retratados como uma espécie de retardados mentais violentos e sanguinários. Na fronteira, uma parte corrupta da polícia militar cuja função naquele momento é apenas a de atrapalhar os planos da Polícia macho, honesta e incorruptível, os “caveiras”.

Nesse segundo “Tropa”, os traficantes saem de cena para dar lugar às milícias, grupos de policiais corruptos que tomam as comunidades e passam a extorquir a população local em troca de uma suposta proteção contra os bandidos. Os milicianos possuem ligações não só com setores do poder público como também com apresentadores imbecis de programas de TV (estilo Datena) para os quais a morte dos bandidos é a única solução para a redução da violência. Esse, a meu ver, é um dos pontos mais interessantes da película. O diretor acaba deixando explícito o que todo mundo que pensa já sabe: que programas datenescos não ajudam em nada no combate à violência e que, pelo contrário eles transformam um problema que é social numa espécie de guerra civil. Assim, os bandidos não são percebidos como o que de fato são, isto é, crias de um sociedade cujo útero é corrupto e passam a ser vistos como alienígenas que aqui chegaram possuídos por uma pulsão de morte tresloucada. Fora o fato de que os apresentadores desses programas só conseguem sobreviver graças aos litros de sangue exibidos diariamente em suas reportagens.

Voltando ao tema das milícias, o que torna a questão ainda mais complexa é que a entrada dos milicianos nas favelas é atribuída em parte à própria estratégia de enfrentamento do BOPE que, ao impedir a chegada de novas cargas de drogas aos morros, inviabiliza a corrupção da polícia. Essa, ao perder sua fonte de dinheiro, acaba por exterminar alguns traficantes e tomar o lugar dos mesmos como donos das comunidades. Em outras palavras, as milícias são uma espécie de efeito adverso da política exterminadora do BOPE.

Outro aspecto que faz com que o espectador não saiba mais definir quem é vilão e quem é mocinho é o fato do próprio filho de Nascimento ser usuário de maconha, o que acaba sendo uma espécie de “pagar a língua” para Nascimento que, numa cena já clássica do primeiro filme, esbofeteia um estudante acusando-o de ser financiador do tráfico.

Mesmo com todas essas questões que evidenciam um amadurecimento de um filme para outro, não se pode perder de vista que a película continua sendo um filme, ou seja, um item da indústria cultural feito para ser consumido pelo maior número de pessoas. Logo, ele não poderia espelhar fielmente a realidade, caindo inevitavelmente numa nova polarização de mocinhos e bandidos. Ainda que esses se confundam ao longo do filme, ao final Nascimento continua encarnando o arquétipo de herói e, como o próprio slogan do filme enuncia, “o alvo agora é outro”, a saber, o sistema que tem na classe política seu coração. Ou seja, o inimigo é redefinido de forma mais complexa, mas continua havendo um lado negro da força A Tropa de Elite não é mais o BOPE, mas o próprio Congresso Nacional. Agora sim se trata de um filme para maiores de 16…