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[Entrevista] Lucas Nápoli e a obra de Georg Groddeck

7669_560500807350549_1836123975_nCaríssimos, como anunciei no post anterior, acabo de lançar meu primeiro livro: “A Doença como Manifestação da Vida: Georg Groddeck e um novo modelo de cuidado em saúde”, publicado pelas editoras Appris/Prisma. Por essa razão, a Revista Benedita, publicação de jornalismo cultural que circula em Governador Valadares (MG), cidade onde resido, realizou uma longa entrevista comigo cuja pauta foi exatamente o conteúdo e o processo de publicação do livro.

Segue abaixo a íntegra da entrevista:

Benedita – Como e por que surgiu o seu interesse pela obra de Georg Groddeck?

Lucas Nápoli – Em 2007, quando eu estava na graduação em Psicologia na Universidade Vale do Rio Doce (Univale) participei como bolsista de iniciação científica de uma pesquisa coordenada pelo professor Carlos Alberto Dias que pretendia investigar as consequências do câncer sobre a vida afetiva e sexual de pacientes que sofriam dessa enfermidade. No mesmo ano, fui convidado pelo professor Walter William Barreto para ser estagiário no Ambulatório de Lesões Dermatológicas, um belo projeto de extensão da Univale. Minha função no Ambulatório era prestar atendimento psicológico a pacientes com feridas crônicas. Havia pacientes cujas lesões não cicatrizavam definitivamente há quase 50 anos! A fim de tentar entender de que forma fatores de ordem psicológica e emocional poderiam estar contribuindo para que as lesões desses pacientes não cicatrizassem e também para compreender as relações entre o câncer e a história de vida dos pacientes que eu entrevistava na pesquisa do prof. Carlos, comecei a estudar a obra de autores do campo da psicossomática. Grosso modo, a psicossomática é um campo de interface entre a psicologia e a medicina que investiga o papel do psiquismo no surgimento de doenças físicas. Foi nesse momento que me deparei com a obra de Groddeck. Foi paixão à primeira vista! (risos). Groddeck foi o primeiro psicanalista a propor de forma explícita a aplicação da psicanálise no tratamento de pacientes com doenças físicas. De fato, até então, para Freud e seus discípulos, o método psicanalítico só servia para pacientes com transtornos emocionais. Por esse motivo, muitos consideram Groddeck uma espécie de “pai da psicossomática”, o que não é verdade! Afinal, a grande marca do pensamento groddeckiano – certamente o aspecto que mais me chamou atenção em sua obra – é a tese de que não existem doenças físicas ou psicológicas e, nesse sentido, tampouco “psicossomáticas”. A doença, para ele, é sempre psíquica e somática. Afinal, quem está com um câncer, por exemplo, não sofre apenas no corpo, mas também na alma. Do mesmo modo, quem está deprimido costuma apresentar uma série de sintomas físicos, como cansaço, dores e, eventualmente, até mesmo um câncer. Creio que o que me atraiu para a obra de Groddeck foi justamente essa radicalidade, que, aliás, é um traço que também faz parte da minha personalidade.

Benedita – Qual é o nível de conhecimento dos profissionais de saúde acerca das ideias de Georg Groddeck e como estas ideias podem contribuir no desenvolvimento de políticas públicas da saúde?

Lucas Nápoli – Infelizmente, não só no Brasil como também em todo o mundo, existem poucos profissionais de saúde que possuem um conhecimento razoável da obra de Groddeck. Por outro lado, muitos conhecem o autor de forma superficial. É justamente isso o que atrapalha a transmissão de suas ideias! Isso porque Groddeck possui um estilo bastante peculiar de escrita e de divulgação das suas ideias que, para o leitor incauto, faz parecer que o autor está “forçando a barra” em algumas interpretações. Groddeck não é “recatado” como a maioria dos autores da psicanálise. Se ele observava, por exemplo, que a hemorragia que um paciente apresentava nos olhos estava ligada a uma angústia ele que teria experimentado ao ver seus pais tendo relações sexuais, Groddeck não tinha nenhum receio de enunciar suas conclusões dessa maneira. Aliás, para escândalo ainda maior de seus críticos, ele poderia dizer que o “Isso” (conceito mais amplo que o “Inconsciente” de Freud) do paciente o fez ficar com “sangue nos olhos” por ter visto o intercurso sexual dos pais. Esse tipo de formulação, que outros autores poderiam traduzir para um enunciado mais “palatável”, Groddeck escreve com toda a radicalidade. Isso levou muita gente, inclusive e, sobretudo, no meio psicanalítico (por incrível que pareça), a menosprezar o autor, considerando-o muito “viajandão”. Assim, Groddeck acabou sendo esquecido tanto na psicanálise quanto no campo mais amplo da saúde. O grande problema é que uma série de outras ideias muito interessantes de Groddeck sobre doença, saúde e tratamento acabou sendo também negligenciada. O propósito desse meu livro é justamente o de resgatar essas contribuições que hoje, mais do que nunca, se mostram bastante úteis. Vivenciamos atualmente no campo da saúde uma crise muito séria. Cada vez mais o modelo teórico hegemônico da área da saúde, que a literatura especializada denomina de “modelo biomédico”, tem sido criticado não só pelos usuários dos serviços de saúde, mas também pelos próprios profissionais. O fundamento do modelo biomédico é a concepção de doença como um fenômeno puramente físico, desvinculado da história de vida do paciente. Essa premissa é o que fundamenta práticas deploráveis como consultas médicas rápidas, em que o profissional se limita a solicitar exames físicos e prescrever medicamentos. Contudo, essa visão reducionista da doença como algo apenas orgânico não está presente apenas no meio médico, mas também na enfermagem, na fisioterapia, na nutrição e em outras áreas da saúde. Às vezes até na própria psicologia… Por isso, a mudança não deve ser buscada prioritariamente no campo prático, como os famigerados projetos de “humanização da saúde” pretendem. Não se trata de levar o médico a ficar 50 minutos com cada doente ou fazer com que o enfermeiro trate seu paciente com mais simpatia. Se a racionalidade, isto é, as concepções sobre o que significam doença, saúde e tratamento não forem alteradas na raiz, as mudanças feitas na prática serão completamente inúteis. Minha proposta no livro é a de demonstrar como é possível encontrar na obra de Groddeck diversos apontamentos que podem contribuir para a mudança dessa racionalidade. Em vez de um diagnóstico puramente físico, baseado em exames laboratoriais, Groddeck propõe um “diagnóstico do ser humano”, muito mais amplo, que não negligencia os aspectos orgânicos, mas que envolve também a dimensão relacional, simbólica e subjetiva da doença. No que diz respeito ao tratamento, o autor advoga que a doença não deve ser vista como um mal que precisa ser eliminado a qualquer custo. Groddeck pensa a enfermidade como um processo e como uma expressão do sujeito, ou seja, como um aspecto da própria pessoa. Nesse sentido, a extirpação pura e simples da doença significa, em última instância, uma espécie de mutilação do paciente. Groddeck propõe, então, que o tratamento deve visar, em primeiro lugar, a compreensão da doença. Essas são apenas algumas das muitas contribuições que podem ser extraídas da obra do autor e que procurei desenvolver ao longo do livro.

Benedita – Quando se afirma que a doença não é um inimigo a ser exterminado, mas uma forma de expressão do indivíduo que precisa ser compreendida e interpretada, isso significa o quê, na visão psicanalítica?

Lucas Nápoli – O nascimento da psicanálise se deu justamente a partir da tentativa empreendida por Sigmund Freud de ousar conversar com pacientes que até então tinham apenas seus corpos examinados pela medicina. Estou me referindo principalmente às pacientes histéricas do final do século XIX que apresentavam uma série de sintomas físicos como dores, anestesias em partes do corpo, afonias, cegueiras, etc. O que espantava os médicos da época era o fato de que tais sintomas não apresentavam nenhuma correspondência aparente no corpo. No caso de uma cegueira histérica, por exemplo, a paciente não conseguia enxergar, mas seus olhos não apresentavam qualquer tipo de lesão. Confusos, alguns médicos persistiam na realização de exames físicos com a esperança de um dia descobrirem o substrato orgânico dos sintomas histéricos. Outros, menos otimistas, acreditavam que a histeria não passava de uma farsa, um “piti” de mulheres burguesas entediadas. Freud e seu colega Breuer resolveram apostar num caminho diferente: em vez de procurarem o fundo orgânico dos sintomas, decidiram deixar as pacientes contarem livremente de que forma a doença havia surgido em suas vidas. Através desse procedimento, descobriram que frequentemente, ao fazerem isso, as pacientes se viam livres dos seus sintomas. Espantoso, não é? As pacientes falavam e se curavam! Freud e Breuer concluíram que, na verdade, os sintomas eram a forma que aquelas mulheres encontravam para expressar aquilo que não haviam conseguido manifestar anteriormente através da fala. Em outras palavras, as dores, cegueiras e anestesias eram substitutos de falas que não puderam vir à luz no passado. Groddeck, por seu turno, descobriu que a mesma dinâmica se passava no caso dos pacientes que atendia em seu sanatório, na cidade alemã de Baden-Baden. O curioso era que os pacientes de Groddeck apresentavam doenças efetivamente orgânicas, ou seja, com a presença de lesão no corpo. Portanto, não eram só as histéricas que utilizavam seus sintomas apara expressarem aquilo que sentiam, mas não podiam falar. Essa constatação levou Groddeck à tese de que toda doença é um veículo de expressão, uma forma que encontramos para falar para nós mesmos e para os outros determinadas coisas que ocultamos, inclusive, de nós mesmos. Com isso, Groddeck não estava dizendo que toda enfermidade é “psicológica”. O autor não negligencia, por exemplo, o papel desempenhado por vírus e bactérias. O que ele faz questão de enfatizar – e a Imunologia atual o comprova – é que não basta que um vírus invada o corpo de um indivíduo para que ele se torne doente. O adoecimento é sempre multifatorial. E um dos fatores que está sempre presente, do ponto de vista groddeckiano, é a expressão de conteúdos inconscientes. Se os profissionais de saúde não levam isso em conta e atacam a doença como um inimigo, eles deixam de analisar esse poderoso fator que poderá contribuir no futuro para o aparecimento de uma nova doença até mais grave.

Benedita – O que é doença?

Lucas Nápoli – No modelo biomédico (essa racionalidade que eu tenho dito que vigora atualmente no campo da saúde) a doença tende a ser associada ao conceito de anormalidade. Nesse sentido, a patologia é vista como toda e qualquer alteração anátomo-fisiológica no funcionamento orgânico normal dos indivíduos. O problema dessa concepção é que esse “funcionamento orgânico normal” é tomado como sendo universal e válido para todas as pessoas, pois é estabelecido a partir de uma espécie de média do funcionamento orgânico dos indivíduos. Dito de forma mais simples, é como se a medicina através das pesquisas que desenvolve desde o seu nascimento como disciplina científica no século XIX tivesse descoberto uma espécie de funcionamento padrão do corpo. Assim, doença seria toda alteração que fugisse desse padrão. Georges Canguilhem, filósofo do século XX e um dos autores que eu incluo na parte final do livro em um diálogo com Groddeck, fez severas críticas a essa noção de doença como anormalidade. Canguilhem, assim como o próprio Groddeck a seu modo, mostrou que cada pessoa possui um funcionamento orgânico específico e que esse não pode ser desvinculado do meio em que a pessoa vive. Em decorrência, quando vamos definir alguma coisa como doença, devemos sempre nos perguntar a respeito de quem estamos falando e qual o contexto em que essa pessoa está situada. Por exemplo, existem condições ambientais e climáticas que permitem que uma pessoa que possui um nível de pressão arterial alto em relação à média da população consiga viver muito bem, sem qualquer tipo de risco de infarto ou outros agravos. Nesse caso, de acordo com o modelo biomédico, essa pessoa mesmo não experimentando sofrimento ou qualquer tipo de limitação em função do seu nível de pressão arterial, deveria ser considerada como doente por estar fora da média do funcionamento orgânico. Convenhamos, isso é um absurdo! Em vez do conceito de normalidade, Canguilhem prefere utilizar a noção de “normatividade” para se referir à saúde. Normatividade é a capacidade que temos de criar novas normas de vida para nós mesmos, ou seja, nos inserirmos em contextos distintos daqueles em que estamos vivendo atualmente. Assim, uma pessoa doente é aquela cujo funcionamento orgânico só lhe permite viver no ambiente em que atualmente se encontra ou em contextos muito restritos. A doença, portanto, está associada à experiência da limitação ou da incapacidade de se adaptar a novas situações. No exemplo que citei há pouco, podemos dizer que o indivíduo que possui um nível de pressão arterial que só lhe permite viver num ambiente específico não é absolutamente doente (como define o modelo biomédico). Ele só pode ser considerado doente em relação às possibilidades de existir em um ambiente distinto do que se encontra. Em outras palavras, ele pode ser visto como menos saudável do que outra pessoa cuja pressão arterial é suficientemente adaptável a outros contextos.

Benedita – Na sua pesquisa sobre a obra groddeckiana, quais os outros pensadores foram utilizados para corroborar ou contrapor o pensamento de Groddeck? Em se tratando de uma pesquisa de Mestrado acadêmico, o trabalho foi mais difícil, considerando que tudo se limita ao campo teórico?

Lucas Nápoli – Além do filósofo Canguilhem ao qual acabo de me referir, houve outro autor que utilizei para, digamos, fornecer uma sustentação filosófica para as ideias de Groddeck. Trata-se do filósofo Benedictus de Spinoza que, embora seja um pensador do século XVII, formulou uma doutrina que vai diretamente ao encontro das características do mundo contemporâneo. Spinoza trabalha com uma visão do mundo e da existência que não possui aquelas velhas dicotomias da modernidade, tais como: natureza/cultura, indivíduo/sociedade, corpo/mente. Cada vez mais, temos nos dado conta de que tais categorias são, na verdade, apenas facetas de uma única realidade, como Spinoza diz. O curioso é que esse filósofo, apesar de ter sido meio que um discípulo de René Descartes, um dos principais pensadores da modernidade, foi capaz de elaborar esse pensamento tão pouco cartesiano. Por outro lado, o aspecto da obra de Spinoza que considerei mais interessante para o diálogo estabelecido com Groddeck, foi a sua concepção de que cada um de nós, assim como todas as coisas, não é passivo diante das circunstâncias que se nos apresentam na vida. Todos nós, segundo Spinoza, somos potências de autoperseveração na existência, isto é, todos nós tendemos naturalmente a buscar aquilo que nos é útil e a nos afastarmos de tudo aquilo que nos prejudica. Isso só não acontece, ou acontece de forma menos potente, quando nos deixamos guiar por causas externas. É o que acontece, por exemplo, no suicídio. A pessoa que se resolve se matar só o faz porque imagina equivocadamente e em função de ter sido afetada por causas externas que a morte lhe será mais útil do que a existência. Em outras palavras, só buscamos o próprio mal de forma reativa, ou seja, não espontânea. A concepção de Groddeck a respeito do adoecimento caminha nessa mesma via. Para o médico de Baden-Baden, todos nós possuíamos uma tendência espontânea para a saúde, que é justamente o que faz com que muitas de nossas doenças acabem desaparecendo naturalmente. Para ele, uma enfermidade só se mantém e/ou se torna crônica, quando “optamos” por utilizá-la como veículo de expressão. Portanto, Groddeck pensa a doença da mesma forma que Spinoza concebe o suicídio, isto é, como fenômeno reativo e não espontâneo. Por isso Groddeck dirá que a principal função do profissional de saúde é a de tentar convencer o “Isso” do paciente, seja através da fala ou de outros procedimentos técnicos, que não vale a pena continuar optando pela via da doença como forma de expressão.

Com relação à segunda parte da pergunta, eu diria que não. Penso que não seja possível dizer que uma pesquisa teórica imponha mais dificuldades que uma pesquisa de campo ou vice-versa. Sou um grande defensor dos estudos teóricos, sobretudo porque nos dias atuais é possível notar uma grande valorização das “evidências”, das conclusões estatísticas e mesmo, num sentido mais informal, da “prática”. O que observo é que falta a muitos acadêmicos justamente um corpo teórico sólido capaz de fundamentar a leitura do que encontram no campo. Por isso, muitas vezes vemos trabalhos em que o pesquisador se limita a apresentar os dados sem qualquer tipo de interpretação. Ademais, como o meu “diagnóstico” do momento atual pelo qual passa o campo da saúde é de que vivenciamos uma crise paradigmática, ou seja, que diz respeito à racionalidade que fundamenta as ações de saúde, o trabalho de natureza teórica se impôs como a alternativa mais “prática” para a busca de possíveis contribuições para a resolução do problema.

Benedita – Ao transformar o texto acadêmico para o livro, no qual o objetivo é atingir outros públicos, quais foram os desafios encontrados para esta adaptação?

Lucas Nápoli – Na verdade, antes mesmo de iniciar o mestrado em Saúde Coletiva eu já tinha o projeto de publicar a dissertação em livro. Por isso, durante toda a pesquisa eu já me preocupava em escrever de uma forma que pudesse ser compreendida não só por estudantes e pesquisadores de outras áreas como também pelo público leigo. Aliás, acredito que essa seja uma característica que está presente em todos os textos que escrevo, desde aqueles que eu publico aqui em Benedita até meus artigos científicos publicados em revistas especializadas. Ao escrever, procuro sempre imaginar uma espécie de leitor virtual completamente leigo em relação ao assunto de que estou tratando, que está o tempo todo me fazendo perguntas. Assim, o texto acaba sendo uma resposta a questões leigas, o que o torna claro e compreensível para a maioria das pessoas. Creio que minha maior inspiração para escrever dessa maneira veio da obra de Freud. Você pode contar nos dedos de uma mão os textos de Freud que são difíceis de serem lidos por pessoas leigas em teoria psicanalítica. Mas voltando à questão, creio que não tive grandes dificuldades para transformar a dissertação em livro. Além do fato de já ter escrito a própria dissertação pensando em publicá-la, como já mencionei, acredito que outro fator que pode ter facilitado a publicação do texto sem grandes alterações foi a atualidade do tema e também o estilo de escrita do próprio Groddeck. De fato, o livro está cheio de citações saborosas de escritos do autor, os quais foram originalmente, em sua maioria, publicados num jornalzinho chamado “Die Arche” (“A Arca”) que o médico distribuía aos doentes internados em seu sanatório.

Benedita – O Roberto Drummond, escritor consagrado, dizia que a cada livro ele sentia a mesma ansiedade do primeiro, ou seja, nem dormia na véspera da data de entrega do livro. O que você tem a dizer sobre isso? Aconteceu com você?

Lucas Nápoli – Penso que a experiência do Roberto provavelmente é compartilhada pela maioria dos escritores. No meu caso, como os exemplares vieram lá de Curitiba, sede das Editoras Prismas e Appris (que publicaram o livro), eles acabaram chegando de surpresa, de modo que não cheguei a ter insônia no dia anterior. Contudo, quando finalmente tive a oportunidade de segurar o livro na mão, sentir o cheiro das páginas, apreciar a arte da capa, a emoção foi de fato muito grande! Tanto é que imediatamente compartilhei uma foto nas minhas páginas pessoal e profissional do Facebook segurando um exemplar. Fiz isso também porque não somente eu, mas também os futuros leitores estavam com uma expectativa enorme pela publicação. De fato, desde as primeiras conversas com as editoras, fui informando aqueles que acompanham minhas publicações nas redes sociais e no meu site que o livro seria publicado em breve. Postei fotos da capa, a sinopse, alguns trechos, de modo que muita gente de várias partes do país reservou seus exemplares autografados. Alguns leitores mais ansiosos viviam me cobrando: “E aí, Lucas, esse livro sai ou não sai?” (risos). Até que, depois de vários meses de gestação, o primogênito finalmente veio à luz!

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“De que vale a fé, se não há dúvida?” – Entrevista com Rodrigo Zanatta

66descarNa entrevista abaixo, feita com exclusividade, o psicanalista Rodrigo Zanatta fala sobre contemporaneidade, as relações entre Psicanálise e Religião, o que pensa sobre as instituições psicanalíticas e desfaz as dúvidas quanto a sua religiosidade.
 

Lucas Nápoli: Ultimamente (e é preciso relativizar esse ultimamente – pelo menos desde meados da década de 80) vem se falando muito sobre o declínio da figura do pai e que esse declínio implicaria num novo jeito de fazer psicanálise. Você partilha dessa perspectiva?

 

Rodrigo Zanatta: É verdade, e isso é um ponto dos mais importantes da assim chamada “orientação lacaniana”, ligada principalmente a Miller, e que tem no Brasil um grande expoente que é o psicanalista Jorge Forbes. Pois bem, esse declínio da “figura paterna” é visível. Tanto em grande quanto em pequena escala. Ou seja, tanto nas grandes referências da nossa civilização, nos grandes ideais, ligados a grandes instituições como o estado e a igreja, até naquelas coisas do cotidiano, do dia a dia de uma cidade, do que podemos apreender da “função do pai” em relatos como os que vemos em programas de televisão como “cidade alerta”, ou do que um psicólogo ouve num serviço público de atendimento à população. Enfim, o pai não é mais como antigamente. Isso está muito ligado, entre outras coisas, à imponência do discurso científico. Ilustro: todos se referem à nossa história como a história de uma tradição patriarcal. Desde os textos fundadores da nossa civilização, como a Bíblia, que nos apresenta a sucessão das gerações, as leis, o pacto, a transmissão da tradição, ligadas ao pai, até à foto de família do século XIX, com o Avô, os filhos e os netos… e respectivas mulheres… Não há dúvida que nos germinamos dessa tradição. E não creio ser incorreto também pensar que foi do mal estar próprio dessa configuração social que nasceu a psicanálise. Basta lembrarmo-nos que Freud estava em cheio nisso, que seus neuróticos não giravam em torno de outra coisa que não do pai. Há uma passagem muito interessante no relato do caso de Anna O., em que literalmente o autor contabiliza, nos trilhos sobredeterminados de “lembranças” por trás de cada sintoma da jovem senhorita, quantas lembranças haviam em cada um, e são números altos, e não deixa de notar que todos esses caminhos levavam sempre a uma lembrança referente ao pai. Como diz o velho ditado, “todos os caminhos levam a Roma”. No caso em questão, seria dizer que levam ao pai. Talvez, até, um pouco por causa disso, o congresso internacional de psicanálise que aconteceu a uns anos atrás em Roma tenha tido como título justamente “Os nomes do pai”. Mas bem, o pai é isso, é a garantia da tradição. Descartes, vislumbrando a potência do discurso científico para com o qual contribuíra enormemente, nos advertiu: “Não o aplicarás à tradição”. Não adiantou nada. Os cientistas se perguntaram: “qual o fundamento disso, qual o fundamento daquilo?” – fatos de comportamento ligados à tradição -, e encontraram como resposta o que? Encontraram: o fundamento disso é seu próprio fundamento, que pressupõe tal figura que agora então não passa de um “semblante”. Pois então, o mundo científico fez tal descoberta: “o pai é um semblante”. Como tal, é o efeito de uma junção entre o imaginário e o simbólico, nada de real. Logo, a tradição não é outra coisa que não uma ficção e não tem fundamento, logo, não precisamos ser como éramos. Isso é lindo. Ao mesmo tempo que nos liberta de alguns grilhões, nos deixa um pouco sem rumo. O pai é a cerca do curral, tirando a cerca, para onde o gado vai? São implicações importantes. Por exemplo. Coisas do dia a dia. Um pai, um pai comum, de onde tiraria ele sua função de pai, seu papel de pai? Se o pai de antigamente poderia se apoiar nesse semblante, socialmente impregnado em toda parte, para fazer valer sua palavra, seu poder, seu desejo, o que resta ao pai de hoje, que não pode mais se apoiar aí? Outro ponto importante foi o discurso feminista. Coisa curiosa. Fala-se muito de desemprego, mas dificilmente você verá alguém considerando o feminismo como uma das causas do desemprego. É que de repente, num espaço de poucas décadas, se dobrou a oferta de mão de obra. Pois as mulheres que antes estavam em casa, submissas e infelizes com o “penis anormalis” que tinham de seus maridos, agora estão nas ruas, infelizes de tanto trabalhar e tendo que se ajeitar com o “penis anormalis” que arrumaram para elas mesmas. Qual a implicação disso? Você vê na universidade, na univale mesmo, a evidência incontestável de que a população de universitários é predominantemente feminina. Ou seja, as mulheres estão em geral mais “sabidas” que os homens, consequentemente, vão ganhar mais dinheiro do que eles, e isso os deixará ainda mais perdidos, porque se sentirão inúteis, desempregados, “dispensáveis”. Dispensável é uma palavra dura, mas que não pode ser negligenciada aí. O homem é dispensável. Na reprodução, por exemplo, não se precisa mais do que de seu esperma. E aquele que dá o esperma, não é um pai só por isso. Temos um exemplo brilhante disso na nossa sociedade, em que uma rainha, querendo reproduzir, escolheu o que lhe pareceu um espermatozóide de boa procedência. Resumindo, o homem moderno, perdido em sua função, corre o risco de ser reduzido ao papel de um zangão pelas selvagens mulheres – conluio feroz entre a ciência e o feminismo. Não vamos entrar na “guerra dos sexos”, por mais divertido que isso possa ser. O fato é que com o “eclipse” do semblante paterno, o papel do homem e do pai ficou turvo. E isso tem conseqüências significativas na forma como as pessoas vivem, na forma como elas são felizes ou sofrem, na forma como elas adoecem. E sim, isso implica numa forma diferente de praticar a psicanálise, em que o Complexo de Édipo não é mais a grande referência clínica simplesmente porque sua força na organização social e psíquica não parece ser mais a mesma. À sua pergunta específica, se eu partilho desse ponto de vista, minha resposta é sim. Só quero deixar claro que tudo isso é um ajuste. Não se trata de uma nova psicanálise. O pai ainda está aí, e devemos nos servir dele, mas dificilmente o encontraremos em cada esquina. Não se trata também da visão nostálgica que vemos sair da boca de muitos “psi”´s, no sentido de se fazer uma “prótese” clínica ou educacional do pai. Isso é ridículo. Fadado ao fracasso, inclusive. A psicanálise deve acompanhar os movimentos do mundo, interferir nele quando convidada, ou de intrometida mesmo, mas não tem instrumentos para modelar o mundo, e mesmo que tivesse, como diz alguém que sabia das coisas: “Só o pai que está no céu sabe o que é o bem e o que é o mau”…. Deixo a ambigüidade da minha resposta, até porque, eu usei acima o termo “eclipse”…

L. N.: Sabemos de seu interesse pelas relações entre Psicanálise e Neurociência. Ao seu ver, quais as verdadeiras contribuições que os estudos neurocientíficos podem trazer para o campo analítico?

 

R. Z.: No que concerne à pratica diária de um psicanalista, como ela é praticada hoje, nenhuma. No que concerne ao conjunto do saber do psicanalista, especialmente o aspecto epistemológico desse saber, muitas. No que concerne a como a psicanálise poderá ser praticada um dia, não sei. Deixe-me desdobrar isso. Veja bem, nenhum estudo neurocientífico terá qualquer utilidade se não se puder relacionar de alguma forma a atividade neural observada a um determinado fenômeno mental ou comportamental. Isso é óbvio. Se você observa que um aumento na taxa de dopamina no metabolismo cerebral leva a uma diminuição na produção de uma outra substância qualquer, isso não quer dizer nada se você não puder dizer: “bem, e aí o cara fica mais feliz”, ou “bem, e aí o cara pula da ponte”, ou, mais refinadamente ainda, “bem, e aí o cara pensa na letra A”. Enfim, essa correlação é essencial. E o que nós vemos no desenvolvimento das neurociências desde Helmoltz, ou Wundt, até nossos dias? Um incremento tremendo na capacidade técnica de observar a atividade cerebral. Passando pelos eletroencefalogramas, até às modernas tomografias. E só. Basicamente, nenhum avanço do outro lado da moeda. Faz-se o que o Wundt fazia, pergunta-se ao “sujeito experimental” o que se passa na cabeça dele, acreditando-se que o “treinamento” recebido por ele garantirá uma certa fidedignidade na correlação. Não se leva em conta, entre outras coisas, sequer que, onde essas coisas são, feitas. Os “sujeitos experimentais” são pagos para isso, e como tal querem manter seus “empregos”… Em outras palavras, avançamos muito de um lado, e permanecemos estagnados de outro. O que não adianta muita coisa. Para ilustrar isso, digo que a “psicologia” usada para interpretar o que se vê das atividades mentais é, ou a psicologia agostiniana-tomista, isto é, a psicologia do senso comum, aquela que trabalha com a noção antiga das “faculdades mentais”, o pensamento, a emoção, a volição (o pai, o filho e o espírito santo na trindade anímica de Agostinho – há até livros famosos de autores neurocientíficos de renome que trazem isso no título), ou então a assim chamada “psicologia cognitiva”, o velho associacionismo do Wundt revestido com os jalecos brancos do “American Way”. Ou seja, nenhum avanço nos meios de se “penetrar” a subjetividade. Os efeitos da “leitura psicologia comum” da atividade cerebral são a perpetuação de uma visão de homem idiota, dividido em gavetas em que seu encéfalo é pouco mais que um instrumento de se mexer em função do ambiente. E principalmente, um homem demasiado abstrato, um homem que não existe. Por outro lado, os efeitos da “leitura psicologia cognitiva” da atividade cerebral são o desenvolvimento tecnológico rumo a construção de robôs e andróides, que talvez um dia até chorem se você roubar o doce deles, mas, que não estarão realmente “sofrendo”, como nós, humanos. De um jeito ou de outro, o fato é que é inevitável que um discurso, uma interpretação, se imponha à leitura da atividade cerebral. E essas duas opções estão longe de ser boas o suficiente para a complexidade dos problemas em questão. E a psicanálise? A coisa aí é bem complicada, principalmente, creio eu, porque muitos psicanalistas, e muitas vezes com razão, não vêem esse diálogo com bons olhos. E o grande risco aí é o da dissolução da psicanálise. Tomemos como exemplo o que tem sido feito sob o nome de “neuropsicanálise”, ligado especialmente ao Sr. Mark Solms, de quem pude assistir uma palestra certa feita e na qual ele disse com todas as letras: a neurociência poderá nos ajudar a corrigir a psicanálise, a decidir entre essa ou aquela “tendência”. Enfim, nessa perspectiva, a neurociência (tomista/cognitiva) se torna a senhora, a juíza da psicanálise. Ora, o único juiz da psicanálise é a clínica, e uma tal abordagem inevitavelmente levará a uma prática cada dia mais distante da psicanálise propriamente dita, cada dia mais próxima da psicologia comum. O que, como todos sabem, já é uma tendência forte na psicanálise de língua inglesa. Uma certa anulação daquilo que é a essência mesma da psicanálise. Coisa muito compreensível, por outro lado, visto que ninguém mais apto a encobrir a “descoberta freudiana” do que os próprios psicanalistas. Haja visto que tenham traduzido “Wo es war soll ich werden” por “o ego deve desalojar o id”. Mas esse não me parece o único caminho possível para esse diálogo. Na verdade, esse me parece o caminho a não se seguir. Penso numa famosa afirmação de Eric Kendel: “A psicanálise está para a neurociência assim como o darwinismo está para a biologia”. Quem é Kendel? Um grande neurocientista, ganhador de prêmios Nobels… o cara que conseguiu demonstrar uma coisa que chamou de plasticidade neuronal, o fato de que as ligações sinápticas entre os neurônios corticais não são fixas, eles se fortalecem, enfraquecem, desfazem, novas se constroem, etc. É também o autor de um famoso tratado de neurociência, “A Bíblia” como dizem, do assunto. Enfim, esse cara disse basicamente isso: que a psicanálise, sendo ela a mais completa teoria sobre a atividade mental, deveria servir de orientação para o trabalho do neurocientista. E é assim que eu penso, é a psicanálise que deve criar as hipóteses a serem testadas em laboratório, é a psicanálise que deve interpretar as observações de laboratório. Acho praticamente impossível não pensar que o circuito dopaminérgico, por exemplo, não tenha algo a ver com o gozo. Nâo estou dizendo que o gozo é a atividade do circuito dopaminérgico, estou dizendo que tem relação, e que se um dia for fazer alguma pesquisa neurocientífica, começarei por aí. Enfim, me parece bastante plausível elaborar hipóteses sobre a atividade cerebral, hipóteses refutáveis, testáveis, a partir da teoria psicanalítica. A verificação dessas hipóteses poderia levar a um maior aprimoramento das neurociências, a uma maior solidez epistemológica da psicanálise, embora não mude a prática. Agora, não é impossível que um dia alguém grave seu sonho num iPod. E aí?

 

L. N.: Você não é afiliado de nenhuma instituição psicanalítica. Quais as razões que o levam a tomar essa postura?

 

R. Z.: Bem, deixe-me esclarecer isso. Que eu não seja afiliado a nenhuma instituição psicanalítica não quer dizer que eu sistematicamente faça questão de não sê-lo. Simplesmente não faço questão de sê-lo. É óbvio que há muitas razões para se criticar as instituições psicanalíticas, e a principal delas é o que em geral a gente conhece pelo nome de “máfia”. Mas você poderia me contrapor: “Há, mas nem é tudo assim, e além disso, talvez você só o diz porque não vê a possibilidade de se dar bem nessa ´máfia´!”. Enfim, há essas coisas. Mas há principalmente, no meu caso, o seguinte: eu mesmo. Eu não gosto de grupo, sou meio anti-social, tenho a maior preguiça de escaladas sociais, e etc. Será que é por que durante muito tempo eu fui “filho único”? Que se dane, o fato é que isso não me atrai. No entanto, reconheço o valor do que se faz nessas instituições, especialmente, as ligadas à AMP [Associação Mundial de Psicanálise]. O pessoal realmente trabalha muito e se dedica muito, com muita vontade e amor ao que fazem e isso é muito legal. Eu simplesmente não tenho toda essa vontade e esse amor. Há uma coisa muito legal na AMP, pelo menos no ideal dela, que é o fato de se organizar como escola, e não como uma “sociedade”, uma sociedade de anciãos digamos, aqueles que já estão cansados de saber. Se organizar como escola permite que quem está ali dentro esteja mais como alguém para aprender. Em tese, todos estão lá para aprender… em tese…. Porque, na prática, há a elite, há as estrelas, os que sabem… Mas enfim, tudo isso é pouco, é muito pouco perto do que há de bom… Digamos, é um “pecado” mais que perdoável. Me lembro de uma diferença entre Bacon e Descartes, muito importante para eu me explicar. Ao idealizar o trabalho científico, Descartes pensava que era tarefa de um homem só, que a harmonia e a justeza da obra, exigiam que uma mesma cabeça trabalhasse nela, para que não ficasse como uma cidade não planejada. Já Bacon pensava o contrário, para ele, a ciência era tarefa comunitária, em que cada um deveria cumprir uma tarefa que é uma parte de um todo maior.  Bem como um “formigueiro”, eu imagino. Pois bem, simplesmente me identifico mais com a visão cartesiana. O grande risco, nesse trabalho comunitário, mais que o de permitir que “máfias”  se produzam ali dentro, me parece ser o de uma cristalização, de que as coisas estagnem, de uma proliferação de invenções da roda. Enfim, é muito bom ler a “opção lacaniana”, a gente aprende, a gente encontra palavras e frases novas para dizer as coisas, a gente fica sabendo das últimas do Miller, a gente vê quem tá sacando do riscado e quem não tá, mas… nenhuma novidade…. Não é meu estilo.

 

L. N.: Sua conferência no Colóquio será sobre o que a Psicanálise tem a dizer sobre Deus e Religião. Sabemos do ateísmo confesso de Freud e da resignação de Lacan quanto ao triunfo da religião. Pessoalmente, sua opinião está mais próxima de qual dos dois lados?

 

R. Z.: Nenhum, até porque eu teria minhas dúvidas em relação ao ateísmo de Freud, e algumas considerações sobre a resignação de Lacan. São questões delicadas. É verdade que o Freud se dizia, e se acreditava ateu, mas isso não é tão simples assim. Deixar de acreditar em Deus não é o mesmo que deixar de acreditar em Papai Noel. Pelo menos o caminho em direção ao ateísmo, de Freud, deu a ele muito trabalho, até seu último suspiro, chamado “Moisés e o Monoteísmo”. Já Lacan me parece mais difícil de decifrar. Digo o homem Lacan, qual a atitude dele. Não me parece que se possa depreender isso do que sabemos dele. É bem ambíguo e, no que, tanto em Freud quanto em Lacan, a luta com Deus (Cf. Jacó) tem conseqüências na obra deles, isto é, na psicanálise, temos um pepino casca grossa, sobre o qual eu falaria se o tema da conferência fosse “O Lugar da Religião no Pensamento Psicanalítico”, por exemplo. Mas você me pergunta sobre minha opinião, e bem, o que posso te dizer de melhor é: eu sou cristão, ou mais precisamente, tento sê-lo. Tento, porque a porta é estreita, e eu estou bem gordinho para passar por ela. Mas tanto quanto se pode dizer que aquele que tenta sê-lo pode se referir a si mesmo como sendo, então a resposta é essa: eu sou cristão. Digo eu sou, e não “eu é”, porque não estou falando do tal ego bom camarada. Também não estou falando da minha prática profissional, a respeito da qual eu poderia dizer: sou freudiano, sou lacaniano, sou “zanattiano”, ou qualquer outra coisa, estou falando daqueles 10 minutos antes de dormir, dos momentos críticos da vida, da minha relação comigo mesmo, dos meus maiores anseios e desejos, do que eu acho que pode corrigir meus defeitos incorrigíveis, ou daquilo no que me apóio, ou ainda onde espero encontrar a verdade. Aí a resposta é essa: eu sou cristão. É estranho, sei disso. Porque não me comporto, nem vivo segundo o estereótipo do que é um cristão. Tem um monte de “cristãos” que gostariam de me ver na fogueira, eu sei, em função de coisas que digo publicamente, mas isso só reafirma para mim que eu sou cristão. E tem um monte de “ateus” que acham o que eu digo, na TV, por exemplo, muito legal. E isso me preocupa um pouco. Mas só um pouco, porque, em geral, me parece que os ateus comprometidos com a verdade são mais cristãos que os cristãos que só o são por alguma conveniência. Quero dizer, de que vale a fé, se não há a dúvida? Me lembro da primeira vez que li “Moisés e o Monoteísmo”, foi uma porrada do meu cérebro. Eu pensei: “Caralho!!!, Fudeu”…. Me perdoe as palavras, não muito “cristãs”….. Mas foi isso, a argumentação freudiana é tão boa, que se ela não levantar dúvidas em alguma fé, eu já começo a duvidar de que estamos realmente falando de fé. Já a psicanálise, bem, é uma coisa muito perigosa nesse sentido. Quero dizer, vivemos em um estado democrático, e isso quer dizer que se você não faz sacrifícios humanos, nem perturba a ordem financeira, você pode acreditar no que você quiser. E aí o que penso é: a psicanálise é uma grande tentação. Porque ela é muito boa, tanto na prática, quanto na concepção, na “antropologia”, na anatomia da alma que ela concebe. Quero dizer, nada mais de acordo com a doutrina cristã. E isso a coloca muito perto da religião, a ponto do psicanalista correr o risco de fazer da psicanálise uma religião, e eis aí a tentação. Tentação, digo, para alguém que não quer que a psicanálise seja para ele uma religião. Para quem não se importa, tudo bem. Para mim a psicanálise é uma ferramenta, uma ferramenta para fazer cirurgia na alma, um bisturi bem afiado, e curiosamente, a anatomia da alma que ela nos ensina é a mesma que o cristianismo ensina. Porém, os limites da promessa da psicanálise são bem inferiores aos do cristianismo. E eu tenho muito cuidado em minha vida com afirmações sobre o que existe e não existe, o que é possível e o que é impossível. Basicamente, eu não sei. E não sabendo, só me resta crer, ou não crer. Mas eu prefiro crer.

 

L. N.: Uma última pergunta: você está indo para a Itália, tencionando um doutorado. Sobre o que pretende pesquisar?

 

R. Z.: Em primeiro lugar, você sabe muito bem que as circunstâncias dessa minha ida para a Europa poderiam muito bem ser consideradas como uma “precipitação”. Quero dizer, que havia um plano, um sonho, um desejo… claro. No entanto, alguns acontecimentos fizeram com que de repente essa me parecesse a melhor opção do momento. Em outras palavras, se não tivessem acontecido os acontecimentos que aconteceram, eu provavelmente estaria seguindo minha vida como ela estava até então, logo, tais acontecimentos precipitaram essa ida para a Itália, e agradeço profundamente aos “quatorze” por isso. Assim sendo, digo que não há nada certo. Basicamente, num primeiro momento, uns 2 ou 3 meses, eu vou terminar o processo de reconhecimento da minha cidadania italiana, para poder ter acesso irrestrito ao estudo. Nesse período, também vou ter que ficar fluente na língua italiana. O ano acadêmico na Itália só começa em setembro, logo, vou ter um tempo para me adaptar e circular pelo país, e aí sim, vou decidir o que e onde estudar. Diferentemente do que se imagina por aqui, estudar na Europa, ou pelo menos na Itália, é mais fácil que no Brasil. Especialmente no meu caso, pois todas as universidades italianas são públicas e gratuitas, e com raras exceções, não há nenhum exame de admissão. Isso é a constituição italiana. Então, nem me preocupei muito em definir e arranjar essa parte do problema. Mas tenho algumas coisas em mente, por exemplo epistemologia e neurociências. O problema é que eu gosto de muita coisa, né…? Gosto de psicanálise, teologia, neuro, filosofia, física… Então se no final das contas eu “descambar” pra um outro lado, não ache estranho. Mas em termos de doutorado, ou como se diz por lá “dottorato di ricerca”, epistemologia e neurociências, são as principais candidatas. E aí eu vou ter que escolher a universidade (Na Itália, há universidades, como a de Bologna, por exemplo, que tem quase 1000 anos de existência, fundada em 1088, a mais antiga da Europa… e é tudo assim…. ), a cidade… E isso tudo vai ter a ver com o custo de vida e outras variáveis que eu acho que só vou saber com mais clareza quando estiver lá, a partir do dia 05 de março (falar nisso, estou vendendo meu carro, se alguém se interessar!). Basicamente Lucas, eu sou meio avesso à idéia de uma “especialização” muito rígida, gosto de variar, de combinar, de circular pelos saberes. A Itália é um país fantástico, cheio de história, de arte, no meio do mar mediterrâneo, berço da civilização ocidental. Enfim, acho que não poderia haver lugar melhor para eu procurar alguma coisa interessante na vida. No caso, acho que vai dar pra fazer uma limonada bem gostosa! Ou pelo menos espero!

Agradecimentos à gentileza do entrevistado.

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