Você certamente deve conhecer pessoas que se encaixam no perfil que irei descrever abaixo. Talvez você até seja uma delas. Trata-se daqueles indivíduos aos quais o senso comum se refere como “bonzinhos”. O fato de essa alcunha ser formulada no diminutivo já denota suficientemente uma característica básica dessas pessoas: o modo afetado com que expressam os atributos que tendemos a associar à bondade. O bonzinho é uma caricatura do ideal de bondade construído pela civilização ocidental. Ele é cordial em excesso, solícito em excesso, prestativo em excesso, humilde em excesso… Enfim, o bonzinho manifesta em suas atitudes e comportamentos todas as características superficiais que são reputadas a um indivíduo supostamente bom. Contudo, não possui o tempero do equilíbrio que torna a bondade um valor precioso.
Neste texto pretendo fazer algumas despretensiosas ilações e formular algumas hipóteses que podem nos ajudar a compreender a dinâmica psicológica subjacente ao modo “bonzinho” de ser. Como o leitor poderá perceber, farei um uso bastante livre de certos conceitos da teoria psicanalítica, sem a preocupação de demonstrar filiação a alguma orientação teórica específica.
Insegurança
Os pais, cônjuges, familiares e amigos mais próximos dos indivíduos “bonzinhos” percebem com muita clareza que se trata de pessoas geralmente muito inseguras. A despeito da devoção que demonstram pelo outro em muitas ocasiões – o que poderia a princípio indicar amadurecimento emocional – os “bonzinhos” frequentemente sofrem com o medo de não serem aceitos, amados ou reconhecidos pelo outro. Nesse sentido, quando se mostra excessivamente prestativo ou incapaz de negar um favor a alguém, o “bonzinho” não está dando mostras de que não é uma pessoa egoísta ou avarenta. Na maior parte das vezes, o “bonzinho” não ajuda o outro por uma decisão espontânea e consciente de fazê-lo, mas sim pelo medo de não ser amado pelo outro. Em decorrência, as relações interpessoais do “bonzinho” tendem a ser profundamente narcísicas, pois ele está o tempo todo tentando “resolver” a sua própria insegurança.
O temor de perder o amor do outro é tão imperativo que as demandas alheias acabam sendo tomadas pelo “bonzinho” como obrigações. Isso faz com que as pessoas com as quais o ele não possui vínculos muito fortes acabem acreditando que estão lidando apenas com uma pessoa muito prestativa e generosa.
Podemos concluir, portanto, que o “bonzinho” está muito mais preocupado com o seu próprio eu, ou melhor, com as fragilidades de sua estrutura egóica, do que com o outro. Em outras palavras, o que está por trás dos comportamentos do “bonzinho” é exatamente o oposto do que sua conduta parece indicar à primeira vista. Com isso, não estou defendendo a tese de que o “bonzinho” encarne a figura do canalha egoísta que ajuda os outros por um mero exercício de “marketing pessoal”. O funcionamento subjetivo do “bonzinho” não é perverso, mas da ordem do que ficou conhecido em psicanálise como “patologias narcísicas”. Devotar-se ao outro, ter dificuldade para confrontá-lo e para resistir às suas demandas são comportamentos que se impõem ao “bonzinho” com a força de atos compulsivos. Ele só consegue fazer frente ao medo de perder o amor do outro, sujeitando-se, tornando-se um servo resignado.
Máscara
Um conceito que talvez nos possa ser de grande utilidade para a compreensão da etiologia da conduta “boazinha” é a noção de “falso self” proposta por Winnicott. Do ponto de vista desse autor, quando o ambiente não se relaciona de modo sintônico com o bebê nas fases iniciais do desenvolvimento, a criança pode desenvolver um falso self a fim de assegurar sua sobrevivência psíquica. Quando o ambiente não se relaciona de modo sintônico? Quando é invasivo ou negligente, ou seja, quando não atende as necessidades do bebê em seu ritmo. Nessas situações, o bebê é obrigado a abrir mão de sua espontaneidade para se comportar de acordo com o ritmo do ambiente. Essa maneira artificial de se comportar é uma das facetas do que Winnicott chamou de “falso self”.
Ora, em linhas gerais não é isso o que ocorre com o “bonzinho”? Se levarmos em conta o modo subserviente com que lida com as pessoas, podemos inferir que inconscientemente o “bonzinho” experimenta o outro como hostil ou, no mínimo, como incapaz de resistir a uma negativa. Assim, o “bonzinho” dá mostras de não ter incorporado uma referência de cuidado suficientemente bom capaz de produzir nele o sentimento de segurança que dá sustentação ao eu. Por essa razão, é como se o indivíduo precisasse segurar a si mesmo o tempo todo e proteger-se do abandono do outro, objetivos que só podem ser alcançados por meio da construção de uma identidade artificial: o modo “bonzinho” de ser.
Texto bem escrito, claro e objetivo. Tenho acompanhado seus textos e gosto da forma simples com que trata os conceitos.
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Olá Moacir! Que bom que você gostou do texto! Grande abraço!
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Sinceramente, não concordo com o texto, pois a pessoa não é boa por ter problemas de personalidade………é boa ter um coração puro!!!!
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Muito bom, o “bonzinho” não é o que demonstra ser, e as relações que eles mantêm podem ser doentias, pelo fato do desejo de ter a sua bondade retribuída … Ainda tem isso.
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Ana Paula, creio que o texto refere-se ao excesso desse comportamento, o que, logicamente, atrapalhará e produzirá sofrimento na vida do indivíduo, tornando-o disfuncional. Como o Lucas coloca como característica: “o o modo afetado com que expressam os atributos que tendemos a associar à bondade”.
Concordo com o fato de que “ser bom” não necessariamente tem a ver com uma patologia. Porém, neste texto, não se está falando destas pessoas.
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Perfeito, Fabio! 🙂
Grande abraço!
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Muito legal Lucas! Parabéns! Adorei.
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Acredito que o bonzinho é ingênuo o suficiente para acreditar que gentileza gera gentileza.
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Valeu Patricia! Grande abraço!
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Fiz uma busca no Google para é entender melhor esse tipo de pessoa e o seu texto foi o mais esclarecedor. Parabéns!
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Valeu Eva! Um abraço!
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Um texto muito bom, coloca de maneira clara um perfil de pessoa que encontramos no nosso cotidiano; bem colocado.
Em que se pese que parte das pessoas associam os generosos, prestativos, solidários e amorosos de pronto com o “bonzinho” como uma forma de ela própria se redimir e se auto-justificar de suas posturas anti-éticas, egoístas e perversas e ao mesmo tempo desqualificar pessoas excelsas, que de fato, estão por aí.
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Um texto muito bom, coloca de maneira clara um perfil de pessoa que encontramos no nosso cotidiano; bem colocado.
Em que se pese que parte das pessoas associam os generosos, prestativos, solidários e amorosos de pronto com o “bonzinho” como uma forma de ela própria se redimir e se auto-justificar de suas posturas anti-éticas, egoístas e perversas e ao mesmo tempo desqualificar pessoas excelsas, que de fato, estão por aí.
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Meu parabéns pelo texto e conteúdo, me esclareceu alguns pontos sobre meu comportamento.
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Que ótimo, Fabíola! Obrigado pelo comentário!
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Excelente texto. Claro e direto com colocações muito pertinentes.
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Concordo com Ana Paula. Sou Pessoa totalmente desprovida de maldades. Gosto e vivo aliviando a for alheia. Seja ela física, mental ou financeira. Gosto de proporcionar bem estar e alegria às pessoas. Será que sou louca?
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