“De que vale a fé, se não há dúvida?” – Entrevista com Rodrigo Zanatta

66descarNa entrevista abaixo, feita com exclusividade, o psicanalista Rodrigo Zanatta fala sobre contemporaneidade, as relações entre Psicanálise e Religião, o que pensa sobre as instituições psicanalíticas e desfaz as dúvidas quanto a sua religiosidade.
 

Lucas Nápoli: Ultimamente (e é preciso relativizar esse ultimamente – pelo menos desde meados da década de 80) vem se falando muito sobre o declínio da figura do pai e que esse declínio implicaria num novo jeito de fazer psicanálise. Você partilha dessa perspectiva?

 

Rodrigo Zanatta: É verdade, e isso é um ponto dos mais importantes da assim chamada “orientação lacaniana”, ligada principalmente a Miller, e que tem no Brasil um grande expoente que é o psicanalista Jorge Forbes. Pois bem, esse declínio da “figura paterna” é visível. Tanto em grande quanto em pequena escala. Ou seja, tanto nas grandes referências da nossa civilização, nos grandes ideais, ligados a grandes instituições como o estado e a igreja, até naquelas coisas do cotidiano, do dia a dia de uma cidade, do que podemos apreender da “função do pai” em relatos como os que vemos em programas de televisão como “cidade alerta”, ou do que um psicólogo ouve num serviço público de atendimento à população. Enfim, o pai não é mais como antigamente. Isso está muito ligado, entre outras coisas, à imponência do discurso científico. Ilustro: todos se referem à nossa história como a história de uma tradição patriarcal. Desde os textos fundadores da nossa civilização, como a Bíblia, que nos apresenta a sucessão das gerações, as leis, o pacto, a transmissão da tradição, ligadas ao pai, até à foto de família do século XIX, com o Avô, os filhos e os netos… e respectivas mulheres… Não há dúvida que nos germinamos dessa tradição. E não creio ser incorreto também pensar que foi do mal estar próprio dessa configuração social que nasceu a psicanálise. Basta lembrarmo-nos que Freud estava em cheio nisso, que seus neuróticos não giravam em torno de outra coisa que não do pai. Há uma passagem muito interessante no relato do caso de Anna O., em que literalmente o autor contabiliza, nos trilhos sobredeterminados de “lembranças” por trás de cada sintoma da jovem senhorita, quantas lembranças haviam em cada um, e são números altos, e não deixa de notar que todos esses caminhos levavam sempre a uma lembrança referente ao pai. Como diz o velho ditado, “todos os caminhos levam a Roma”. No caso em questão, seria dizer que levam ao pai. Talvez, até, um pouco por causa disso, o congresso internacional de psicanálise que aconteceu a uns anos atrás em Roma tenha tido como título justamente “Os nomes do pai”. Mas bem, o pai é isso, é a garantia da tradição. Descartes, vislumbrando a potência do discurso científico para com o qual contribuíra enormemente, nos advertiu: “Não o aplicarás à tradição”. Não adiantou nada. Os cientistas se perguntaram: “qual o fundamento disso, qual o fundamento daquilo?” – fatos de comportamento ligados à tradição -, e encontraram como resposta o que? Encontraram: o fundamento disso é seu próprio fundamento, que pressupõe tal figura que agora então não passa de um “semblante”. Pois então, o mundo científico fez tal descoberta: “o pai é um semblante”. Como tal, é o efeito de uma junção entre o imaginário e o simbólico, nada de real. Logo, a tradição não é outra coisa que não uma ficção e não tem fundamento, logo, não precisamos ser como éramos. Isso é lindo. Ao mesmo tempo que nos liberta de alguns grilhões, nos deixa um pouco sem rumo. O pai é a cerca do curral, tirando a cerca, para onde o gado vai? São implicações importantes. Por exemplo. Coisas do dia a dia. Um pai, um pai comum, de onde tiraria ele sua função de pai, seu papel de pai? Se o pai de antigamente poderia se apoiar nesse semblante, socialmente impregnado em toda parte, para fazer valer sua palavra, seu poder, seu desejo, o que resta ao pai de hoje, que não pode mais se apoiar aí? Outro ponto importante foi o discurso feminista. Coisa curiosa. Fala-se muito de desemprego, mas dificilmente você verá alguém considerando o feminismo como uma das causas do desemprego. É que de repente, num espaço de poucas décadas, se dobrou a oferta de mão de obra. Pois as mulheres que antes estavam em casa, submissas e infelizes com o “penis anormalis” que tinham de seus maridos, agora estão nas ruas, infelizes de tanto trabalhar e tendo que se ajeitar com o “penis anormalis” que arrumaram para elas mesmas. Qual a implicação disso? Você vê na universidade, na univale mesmo, a evidência incontestável de que a população de universitários é predominantemente feminina. Ou seja, as mulheres estão em geral mais “sabidas” que os homens, consequentemente, vão ganhar mais dinheiro do que eles, e isso os deixará ainda mais perdidos, porque se sentirão inúteis, desempregados, “dispensáveis”. Dispensável é uma palavra dura, mas que não pode ser negligenciada aí. O homem é dispensável. Na reprodução, por exemplo, não se precisa mais do que de seu esperma. E aquele que dá o esperma, não é um pai só por isso. Temos um exemplo brilhante disso na nossa sociedade, em que uma rainha, querendo reproduzir, escolheu o que lhe pareceu um espermatozóide de boa procedência. Resumindo, o homem moderno, perdido em sua função, corre o risco de ser reduzido ao papel de um zangão pelas selvagens mulheres – conluio feroz entre a ciência e o feminismo. Não vamos entrar na “guerra dos sexos”, por mais divertido que isso possa ser. O fato é que com o “eclipse” do semblante paterno, o papel do homem e do pai ficou turvo. E isso tem conseqüências significativas na forma como as pessoas vivem, na forma como elas são felizes ou sofrem, na forma como elas adoecem. E sim, isso implica numa forma diferente de praticar a psicanálise, em que o Complexo de Édipo não é mais a grande referência clínica simplesmente porque sua força na organização social e psíquica não parece ser mais a mesma. À sua pergunta específica, se eu partilho desse ponto de vista, minha resposta é sim. Só quero deixar claro que tudo isso é um ajuste. Não se trata de uma nova psicanálise. O pai ainda está aí, e devemos nos servir dele, mas dificilmente o encontraremos em cada esquina. Não se trata também da visão nostálgica que vemos sair da boca de muitos “psi”´s, no sentido de se fazer uma “prótese” clínica ou educacional do pai. Isso é ridículo. Fadado ao fracasso, inclusive. A psicanálise deve acompanhar os movimentos do mundo, interferir nele quando convidada, ou de intrometida mesmo, mas não tem instrumentos para modelar o mundo, e mesmo que tivesse, como diz alguém que sabia das coisas: “Só o pai que está no céu sabe o que é o bem e o que é o mau”…. Deixo a ambigüidade da minha resposta, até porque, eu usei acima o termo “eclipse”…

L. N.: Sabemos de seu interesse pelas relações entre Psicanálise e Neurociência. Ao seu ver, quais as verdadeiras contribuições que os estudos neurocientíficos podem trazer para o campo analítico?

 

R. Z.: No que concerne à pratica diária de um psicanalista, como ela é praticada hoje, nenhuma. No que concerne ao conjunto do saber do psicanalista, especialmente o aspecto epistemológico desse saber, muitas. No que concerne a como a psicanálise poderá ser praticada um dia, não sei. Deixe-me desdobrar isso. Veja bem, nenhum estudo neurocientífico terá qualquer utilidade se não se puder relacionar de alguma forma a atividade neural observada a um determinado fenômeno mental ou comportamental. Isso é óbvio. Se você observa que um aumento na taxa de dopamina no metabolismo cerebral leva a uma diminuição na produção de uma outra substância qualquer, isso não quer dizer nada se você não puder dizer: “bem, e aí o cara fica mais feliz”, ou “bem, e aí o cara pula da ponte”, ou, mais refinadamente ainda, “bem, e aí o cara pensa na letra A”. Enfim, essa correlação é essencial. E o que nós vemos no desenvolvimento das neurociências desde Helmoltz, ou Wundt, até nossos dias? Um incremento tremendo na capacidade técnica de observar a atividade cerebral. Passando pelos eletroencefalogramas, até às modernas tomografias. E só. Basicamente, nenhum avanço do outro lado da moeda. Faz-se o que o Wundt fazia, pergunta-se ao “sujeito experimental” o que se passa na cabeça dele, acreditando-se que o “treinamento” recebido por ele garantirá uma certa fidedignidade na correlação. Não se leva em conta, entre outras coisas, sequer que, onde essas coisas são, feitas. Os “sujeitos experimentais” são pagos para isso, e como tal querem manter seus “empregos”… Em outras palavras, avançamos muito de um lado, e permanecemos estagnados de outro. O que não adianta muita coisa. Para ilustrar isso, digo que a “psicologia” usada para interpretar o que se vê das atividades mentais é, ou a psicologia agostiniana-tomista, isto é, a psicologia do senso comum, aquela que trabalha com a noção antiga das “faculdades mentais”, o pensamento, a emoção, a volição (o pai, o filho e o espírito santo na trindade anímica de Agostinho – há até livros famosos de autores neurocientíficos de renome que trazem isso no título), ou então a assim chamada “psicologia cognitiva”, o velho associacionismo do Wundt revestido com os jalecos brancos do “American Way”. Ou seja, nenhum avanço nos meios de se “penetrar” a subjetividade. Os efeitos da “leitura psicologia comum” da atividade cerebral são a perpetuação de uma visão de homem idiota, dividido em gavetas em que seu encéfalo é pouco mais que um instrumento de se mexer em função do ambiente. E principalmente, um homem demasiado abstrato, um homem que não existe. Por outro lado, os efeitos da “leitura psicologia cognitiva” da atividade cerebral são o desenvolvimento tecnológico rumo a construção de robôs e andróides, que talvez um dia até chorem se você roubar o doce deles, mas, que não estarão realmente “sofrendo”, como nós, humanos. De um jeito ou de outro, o fato é que é inevitável que um discurso, uma interpretação, se imponha à leitura da atividade cerebral. E essas duas opções estão longe de ser boas o suficiente para a complexidade dos problemas em questão. E a psicanálise? A coisa aí é bem complicada, principalmente, creio eu, porque muitos psicanalistas, e muitas vezes com razão, não vêem esse diálogo com bons olhos. E o grande risco aí é o da dissolução da psicanálise. Tomemos como exemplo o que tem sido feito sob o nome de “neuropsicanálise”, ligado especialmente ao Sr. Mark Solms, de quem pude assistir uma palestra certa feita e na qual ele disse com todas as letras: a neurociência poderá nos ajudar a corrigir a psicanálise, a decidir entre essa ou aquela “tendência”. Enfim, nessa perspectiva, a neurociência (tomista/cognitiva) se torna a senhora, a juíza da psicanálise. Ora, o único juiz da psicanálise é a clínica, e uma tal abordagem inevitavelmente levará a uma prática cada dia mais distante da psicanálise propriamente dita, cada dia mais próxima da psicologia comum. O que, como todos sabem, já é uma tendência forte na psicanálise de língua inglesa. Uma certa anulação daquilo que é a essência mesma da psicanálise. Coisa muito compreensível, por outro lado, visto que ninguém mais apto a encobrir a “descoberta freudiana” do que os próprios psicanalistas. Haja visto que tenham traduzido “Wo es war soll ich werden” por “o ego deve desalojar o id”. Mas esse não me parece o único caminho possível para esse diálogo. Na verdade, esse me parece o caminho a não se seguir. Penso numa famosa afirmação de Eric Kendel: “A psicanálise está para a neurociência assim como o darwinismo está para a biologia”. Quem é Kendel? Um grande neurocientista, ganhador de prêmios Nobels… o cara que conseguiu demonstrar uma coisa que chamou de plasticidade neuronal, o fato de que as ligações sinápticas entre os neurônios corticais não são fixas, eles se fortalecem, enfraquecem, desfazem, novas se constroem, etc. É também o autor de um famoso tratado de neurociência, “A Bíblia” como dizem, do assunto. Enfim, esse cara disse basicamente isso: que a psicanálise, sendo ela a mais completa teoria sobre a atividade mental, deveria servir de orientação para o trabalho do neurocientista. E é assim que eu penso, é a psicanálise que deve criar as hipóteses a serem testadas em laboratório, é a psicanálise que deve interpretar as observações de laboratório. Acho praticamente impossível não pensar que o circuito dopaminérgico, por exemplo, não tenha algo a ver com o gozo. Nâo estou dizendo que o gozo é a atividade do circuito dopaminérgico, estou dizendo que tem relação, e que se um dia for fazer alguma pesquisa neurocientífica, começarei por aí. Enfim, me parece bastante plausível elaborar hipóteses sobre a atividade cerebral, hipóteses refutáveis, testáveis, a partir da teoria psicanalítica. A verificação dessas hipóteses poderia levar a um maior aprimoramento das neurociências, a uma maior solidez epistemológica da psicanálise, embora não mude a prática. Agora, não é impossível que um dia alguém grave seu sonho num iPod. E aí?

 

L. N.: Você não é afiliado de nenhuma instituição psicanalítica. Quais as razões que o levam a tomar essa postura?

 

R. Z.: Bem, deixe-me esclarecer isso. Que eu não seja afiliado a nenhuma instituição psicanalítica não quer dizer que eu sistematicamente faça questão de não sê-lo. Simplesmente não faço questão de sê-lo. É óbvio que há muitas razões para se criticar as instituições psicanalíticas, e a principal delas é o que em geral a gente conhece pelo nome de “máfia”. Mas você poderia me contrapor: “Há, mas nem é tudo assim, e além disso, talvez você só o diz porque não vê a possibilidade de se dar bem nessa ´máfia´!”. Enfim, há essas coisas. Mas há principalmente, no meu caso, o seguinte: eu mesmo. Eu não gosto de grupo, sou meio anti-social, tenho a maior preguiça de escaladas sociais, e etc. Será que é por que durante muito tempo eu fui “filho único”? Que se dane, o fato é que isso não me atrai. No entanto, reconheço o valor do que se faz nessas instituições, especialmente, as ligadas à AMP [Associação Mundial de Psicanálise]. O pessoal realmente trabalha muito e se dedica muito, com muita vontade e amor ao que fazem e isso é muito legal. Eu simplesmente não tenho toda essa vontade e esse amor. Há uma coisa muito legal na AMP, pelo menos no ideal dela, que é o fato de se organizar como escola, e não como uma “sociedade”, uma sociedade de anciãos digamos, aqueles que já estão cansados de saber. Se organizar como escola permite que quem está ali dentro esteja mais como alguém para aprender. Em tese, todos estão lá para aprender… em tese…. Porque, na prática, há a elite, há as estrelas, os que sabem… Mas enfim, tudo isso é pouco, é muito pouco perto do que há de bom… Digamos, é um “pecado” mais que perdoável. Me lembro de uma diferença entre Bacon e Descartes, muito importante para eu me explicar. Ao idealizar o trabalho científico, Descartes pensava que era tarefa de um homem só, que a harmonia e a justeza da obra, exigiam que uma mesma cabeça trabalhasse nela, para que não ficasse como uma cidade não planejada. Já Bacon pensava o contrário, para ele, a ciência era tarefa comunitária, em que cada um deveria cumprir uma tarefa que é uma parte de um todo maior.  Bem como um “formigueiro”, eu imagino. Pois bem, simplesmente me identifico mais com a visão cartesiana. O grande risco, nesse trabalho comunitário, mais que o de permitir que “máfias”  se produzam ali dentro, me parece ser o de uma cristalização, de que as coisas estagnem, de uma proliferação de invenções da roda. Enfim, é muito bom ler a “opção lacaniana”, a gente aprende, a gente encontra palavras e frases novas para dizer as coisas, a gente fica sabendo das últimas do Miller, a gente vê quem tá sacando do riscado e quem não tá, mas… nenhuma novidade…. Não é meu estilo.

 

L. N.: Sua conferência no Colóquio será sobre o que a Psicanálise tem a dizer sobre Deus e Religião. Sabemos do ateísmo confesso de Freud e da resignação de Lacan quanto ao triunfo da religião. Pessoalmente, sua opinião está mais próxima de qual dos dois lados?

 

R. Z.: Nenhum, até porque eu teria minhas dúvidas em relação ao ateísmo de Freud, e algumas considerações sobre a resignação de Lacan. São questões delicadas. É verdade que o Freud se dizia, e se acreditava ateu, mas isso não é tão simples assim. Deixar de acreditar em Deus não é o mesmo que deixar de acreditar em Papai Noel. Pelo menos o caminho em direção ao ateísmo, de Freud, deu a ele muito trabalho, até seu último suspiro, chamado “Moisés e o Monoteísmo”. Já Lacan me parece mais difícil de decifrar. Digo o homem Lacan, qual a atitude dele. Não me parece que se possa depreender isso do que sabemos dele. É bem ambíguo e, no que, tanto em Freud quanto em Lacan, a luta com Deus (Cf. Jacó) tem conseqüências na obra deles, isto é, na psicanálise, temos um pepino casca grossa, sobre o qual eu falaria se o tema da conferência fosse “O Lugar da Religião no Pensamento Psicanalítico”, por exemplo. Mas você me pergunta sobre minha opinião, e bem, o que posso te dizer de melhor é: eu sou cristão, ou mais precisamente, tento sê-lo. Tento, porque a porta é estreita, e eu estou bem gordinho para passar por ela. Mas tanto quanto se pode dizer que aquele que tenta sê-lo pode se referir a si mesmo como sendo, então a resposta é essa: eu sou cristão. Digo eu sou, e não “eu é”, porque não estou falando do tal ego bom camarada. Também não estou falando da minha prática profissional, a respeito da qual eu poderia dizer: sou freudiano, sou lacaniano, sou “zanattiano”, ou qualquer outra coisa, estou falando daqueles 10 minutos antes de dormir, dos momentos críticos da vida, da minha relação comigo mesmo, dos meus maiores anseios e desejos, do que eu acho que pode corrigir meus defeitos incorrigíveis, ou daquilo no que me apóio, ou ainda onde espero encontrar a verdade. Aí a resposta é essa: eu sou cristão. É estranho, sei disso. Porque não me comporto, nem vivo segundo o estereótipo do que é um cristão. Tem um monte de “cristãos” que gostariam de me ver na fogueira, eu sei, em função de coisas que digo publicamente, mas isso só reafirma para mim que eu sou cristão. E tem um monte de “ateus” que acham o que eu digo, na TV, por exemplo, muito legal. E isso me preocupa um pouco. Mas só um pouco, porque, em geral, me parece que os ateus comprometidos com a verdade são mais cristãos que os cristãos que só o são por alguma conveniência. Quero dizer, de que vale a fé, se não há a dúvida? Me lembro da primeira vez que li “Moisés e o Monoteísmo”, foi uma porrada do meu cérebro. Eu pensei: “Caralho!!!, Fudeu”…. Me perdoe as palavras, não muito “cristãs”….. Mas foi isso, a argumentação freudiana é tão boa, que se ela não levantar dúvidas em alguma fé, eu já começo a duvidar de que estamos realmente falando de fé. Já a psicanálise, bem, é uma coisa muito perigosa nesse sentido. Quero dizer, vivemos em um estado democrático, e isso quer dizer que se você não faz sacrifícios humanos, nem perturba a ordem financeira, você pode acreditar no que você quiser. E aí o que penso é: a psicanálise é uma grande tentação. Porque ela é muito boa, tanto na prática, quanto na concepção, na “antropologia”, na anatomia da alma que ela concebe. Quero dizer, nada mais de acordo com a doutrina cristã. E isso a coloca muito perto da religião, a ponto do psicanalista correr o risco de fazer da psicanálise uma religião, e eis aí a tentação. Tentação, digo, para alguém que não quer que a psicanálise seja para ele uma religião. Para quem não se importa, tudo bem. Para mim a psicanálise é uma ferramenta, uma ferramenta para fazer cirurgia na alma, um bisturi bem afiado, e curiosamente, a anatomia da alma que ela nos ensina é a mesma que o cristianismo ensina. Porém, os limites da promessa da psicanálise são bem inferiores aos do cristianismo. E eu tenho muito cuidado em minha vida com afirmações sobre o que existe e não existe, o que é possível e o que é impossível. Basicamente, eu não sei. E não sabendo, só me resta crer, ou não crer. Mas eu prefiro crer.

 

L. N.: Uma última pergunta: você está indo para a Itália, tencionando um doutorado. Sobre o que pretende pesquisar?

 

R. Z.: Em primeiro lugar, você sabe muito bem que as circunstâncias dessa minha ida para a Europa poderiam muito bem ser consideradas como uma “precipitação”. Quero dizer, que havia um plano, um sonho, um desejo… claro. No entanto, alguns acontecimentos fizeram com que de repente essa me parecesse a melhor opção do momento. Em outras palavras, se não tivessem acontecido os acontecimentos que aconteceram, eu provavelmente estaria seguindo minha vida como ela estava até então, logo, tais acontecimentos precipitaram essa ida para a Itália, e agradeço profundamente aos “quatorze” por isso. Assim sendo, digo que não há nada certo. Basicamente, num primeiro momento, uns 2 ou 3 meses, eu vou terminar o processo de reconhecimento da minha cidadania italiana, para poder ter acesso irrestrito ao estudo. Nesse período, também vou ter que ficar fluente na língua italiana. O ano acadêmico na Itália só começa em setembro, logo, vou ter um tempo para me adaptar e circular pelo país, e aí sim, vou decidir o que e onde estudar. Diferentemente do que se imagina por aqui, estudar na Europa, ou pelo menos na Itália, é mais fácil que no Brasil. Especialmente no meu caso, pois todas as universidades italianas são públicas e gratuitas, e com raras exceções, não há nenhum exame de admissão. Isso é a constituição italiana. Então, nem me preocupei muito em definir e arranjar essa parte do problema. Mas tenho algumas coisas em mente, por exemplo epistemologia e neurociências. O problema é que eu gosto de muita coisa, né…? Gosto de psicanálise, teologia, neuro, filosofia, física… Então se no final das contas eu “descambar” pra um outro lado, não ache estranho. Mas em termos de doutorado, ou como se diz por lá “dottorato di ricerca”, epistemologia e neurociências, são as principais candidatas. E aí eu vou ter que escolher a universidade (Na Itália, há universidades, como a de Bologna, por exemplo, que tem quase 1000 anos de existência, fundada em 1088, a mais antiga da Europa… e é tudo assim…. ), a cidade… E isso tudo vai ter a ver com o custo de vida e outras variáveis que eu acho que só vou saber com mais clareza quando estiver lá, a partir do dia 05 de março (falar nisso, estou vendendo meu carro, se alguém se interessar!). Basicamente Lucas, eu sou meio avesso à idéia de uma “especialização” muito rígida, gosto de variar, de combinar, de circular pelos saberes. A Itália é um país fantástico, cheio de história, de arte, no meio do mar mediterrâneo, berço da civilização ocidental. Enfim, acho que não poderia haver lugar melhor para eu procurar alguma coisa interessante na vida. No caso, acho que vai dar pra fazer uma limonada bem gostosa! Ou pelo menos espero!

Agradecimentos à gentileza do entrevistado.

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10 comentários sobre ““De que vale a fé, se não há dúvida?” – Entrevista com Rodrigo Zanatta

  1. iaê blz?
    passei pra ver os horários do Colóquio, mas tb passei os olhos no texto aí do Sr. Zanatta… parece legal… ainda não deu pra ler tudo… mas… minha neurose obsessiva viu algo sobre os Srs. Wundt e Helmoltz (SIC), na verdade o nome do rapaz é Helmholtz… rsrsr só pra encher o saco mesmo… cê sabe… eu gozto disso…
    abraço… daqui a pouco…

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  2. Ádila (excessão dos "quatorze".rsrs...)

    Gostei da entrevista, acho que confirma o que eu já pensava a respeito do Zanatta e proponho que ele fale sobre “O lugar da religião no pensamento psicanalítico”. rsrs… O texto de Paulo(apóstolo) em Romanos 7 me intriga em sua semelhança ao que Freud diz em Totem e Tabu se não me engano. Quando Freud diz que se existe alguma proibição tem de haver um desejo subjacente, porque nao há necessidade de se proibir algo que ninguem deseja fazer.

    abraço

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  3. Ádila

    Falando em lugar da religião na psicanálise… No colóquio eu tinha duas pergtas uma pro Róbson e outra pro ZANATTA. Para o Rodrigo Zanatta queria pergtar o seguinte: Lacan faz referência a Paulo em um de seus seminários e chega a dizer que fez. Na obra de Freud há algo parecido, ou Freud apenas concordava em algumas coisas com Paulo? Porque o que ele diz em Totem e Tabu acerca da lei e do desejo é muito parecido com o que Paulo diz em Romanos 7 acerca da lei e do pecado. Bom, nao sei se vai ter tempo de me responder, mas se puder eu agradeço.

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  4. Rodrigo Zanatta

    Prezada Ádila (excessão aos “quatorze”), segue aí uma citação do Lacan, que talvez aponte para a resposta à sua pergunta: “… Freud diz a mesma coisa que São Paulo […] e por trás de São Paulo, vocês tem o ensinamento de Cristo …”, isso está no seminário VII, sobre a Ètica… logo a ética!!! hahaha.. enfim, entre as pags 121 e 123 vc vai ver um comentário extenso a esse respeito. Em outro ponto, do mesmo seminário, pag 217, vc encontra isso: “É nesse ponto que chegamos à fórmula de que uma trangressão é necessária para aceder a esse gozo, e que – para reencontrarmos são Paulo – é muito precisamente para isso que serve a Lei. A transgressão no sentido do gozo só se efetiva apoiando-se no princípio contrário, sob as formas da Lei.” Enfim.. dê uma olhada no texto. Tem até um lugar em que Lacan cita Paulo, substituindo o termo “pecado” pelo termo “coisa”, sem avisar que está citando Paulo…. só depois… é muito legal.

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  5. Rodrigo Zanatta

    Grande Henrique… é verdade, faltou um H lá no Helmholtz. Na verdade, na versão original que eu enviei para o entrevistador, eu ainda tinha colocado o nome completo do camarada, mas o “editor” resolveu tirar!! hehehe.. mas bem… faltou o H mesmo. Aproveito a oportunidade para agradecer ao editor por colocar o destaque no anuncio do carro!!! haha… acrescento que é um Peugeot 206, 05/05, preto, com ar, travas, alarme, vidro elétrico, direção hidráulica…. hehehe….

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