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[Vídeo] Recado Rápido #12 – Fantasias e fantasias

Nossa relação com a realidade é sempre mediada por construções simbólico-imaginárias às quais a psicanálise dá o nome de fantasias. Neste 12º recado rápido, falo sobre dois tipos de fantasias: as produtivas, que nos servem de ferramentas para melhor compreender  a realidade e e se situar nela e as doentias, cuja finalidade é a de possibilitar uma fuga imaginária de uma realidade hostil. Essas últimas tendem a se tornar cristalizadas, rígidas e difíceis de abandonar.


Nascemos condenados à cadeia significante?

the-little-baby-hand_422_18073O estruturalismo nasceu como uma corrente teórico-metodológica que supostamente legitimaria o estatuto científico das chamadas Humanidades, isto é, a psicologia, a antropologia, a sociologia, dentre outros saberes cujo objeto está diretamente ligado à condição humana. Na etapa inicial de seu ensino nos anos 1950, o psicanalista Jacques Lacan estava bastante entusiasmado com a proposta estruturalista, utilizando-a como uma espécie de pano de fundo para sua reinterpretação do pensamento freudiano, o famoso projeto de “retorno a Freud”.

Como se sabe, o estruturalismo está baseado em duas premissas básicas, a saber: (1) a de que um elemento de um determinado universo não possui significação em si mesmo, ou seja, seu sentido depende dos demais elementos do sistema (estrutura) aos quais se encontra vinculado e (2) a de que essa estrutura ou sistema pode ser inferida dos fenômenos empíricos (pleonasmo intencional) na medida em que é inconsciente.

Primazia do discurso do Outro?

Pois bem, ao aplicar tais premissas à teoria psicanalítica, Lacan chega à paradoxal tese que sustenta, ao mesmo tempo (daí o paradoxo), a existência do sujeito e a determinação desse sujeito pela linguagem. Trata-se de uma ideia que foi sintetizada na famosa fórmula “o sujeito é aquilo que um significante representa para o outro significante.”. Dito de modo mais simples, o que Lacan quis expressar com essa afirmação é a tese de que o lugar que cada um de nós ocupa na existência seria pré-determinado.

Do ponto de vista lacaniano, isso aconteceria porque nasceríamos em um mundo já estruturado não só materialmente, mas também e, sobretudo, culturalmente. Em outras palavras, cairíamos de paraquedas em um mundo já abarrotado de discursos, desejos e interesses. Só nos restaria, portanto, a opção de nos adequarmos, nos adaptarmos, nos submetermos a esse ambiente já organizado, inserindo-nos no lugar já preparado de antemão pelo desejo do Outro para nos receber.

Lacan, a meu ver, não estava de todo equivocado, a não ser no que diz respeito a certo fatalismo que pode ser depreendido de sua teorização. Os lacanianos certamente poderão discordar do que vou dizer, reivindicando como fundamento de sua réplica o último estágio do ensino do psicanalista francês em que a ênfase teria sido posta no registro do real, o qual excederia o alcance da linguagem. Em decorrência, não haveria uma pré-determinação tão rígida assim.

Creio, não obstante, que a formulação “o sujeito é o que um significante representa para outro significante” perpassa todo o ensino de Lacan e carrega de maneira implícita a ideia de que não existe espontaneidade e que o exercício da criatividade é sempre reativo, ou seja, sempre exercido a partir da primazia do significante. Dito de outro modo, o desejo do Outro, a linguagem, a cadeia significante seria o elemento primário, já que o próprio sujeito é visto puramente como um efeito do funcionamento da linguagem.

A espontaneidade como anterior à estrutura

Donald Woods Winnicott, por seu turno, ao postular a ideia de um verdadeiro self existente em cada um de nós de maneira potencial ou virtual e que ao longo da existência pode ser atualizado ou permanecer potencial, me parece dar ensejo a uma visão menos passiva e reativa da subjetividade.

De fato, Winnicott não ignora que o fato de que o mundo já se encontra discursivamente estruturado antes de nascermos e de que nossos pais já possuem uma série de desejos a nosso respeito que podem se configurar para nós como uma espécie de pré-determinação. Winnicott não é ingênuo. Contudo, a diferença crucial existente entre o ponto de vista do psicanalista inglês em relação a Lacan diz respeito à primazia que Winnicott reconhece na espontaneidade do bebê face ao desejo do Outro.

Em outras palavras, para Winnicott, embora o discurso do Outro exista, ele é secundário em relação aos gestos espontâneos do bebê. Nesse sentido, primeiro o indivíduo agiria, sentiria, experimentaria o ambiente afetivo à sua volta, ou seja, a própria mãe enquanto condições sensórias de cuidado, para só depois (não cronológica, mas logicamente) lidar com o aparelho cultural pré-organizado.

Além disso, do ponto de vista winnicottiano, o desejo do Outro não engolfaria o sujeito fazendo dele meramente um efeito da cadeia significante. Justamente por não reduzir a subjetividade ao domínio de uma linguagem vista como estrutura, Winnicott pode reivindicar a ideia de que a entrada no registro simbólico pode se dar de modo ativo, criativo em continuidade com os gestos espontâneos.

O que são espaço e objetos transicionais? (final)

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Questionando o “óbvio”: a falta é a causa do desejo? (Adendo)

A causa do desejo é um objeto, o objeto a, um nome para a falta de objeto. Logo, o desejo é causado pela falta. Essa é a tese de Jacques Lacan para explicar a quase infinita variabilidade de objetos que podemos desejar. Desejamos uma multiplicidade de objetos e jamais experimentamos uma satisfação completa porque somos seres furados, faltosos. Esse é o argumento lacaniano.

Demonstrei que essa teoria é de fato correta desde que tomemos como parâmetro de razoabilidade a fantasia de gozo pleno do neurótico. Se aceitarmos que a psicanálise deva ficar refém de uma fantasia neurótica, a tese do desejo como decorrente da falta adquire total pertinência. Felizmente não é esse o caso. A psicanálise pretende tratar a neurose, não fazer de suas fantasias os fundamentos de seus enunciados teóricos. Se o neurótico se percebe como um eterno insatisfeito em busca de um gozo impossível, não se deve depreender disso que ele formula algo de verdadeiro a respeito do desejo.

Ao longo de minha argumentação, provei que não é preciso supor uma falta ou um furo para explicar o desejo. Se somos capazes de desejar múltiplos objetos, isso só evidencia a imensa variabilidade de coisas existentes que nos podem ser úteis, bem como a vasta potência dos nossos corpos de se conjugar a vários objetos.

A imagem que melhor ilustra a concepção lacaniana do desejo é a de uma dona-de-casa que perdeu o botão de uma camisa e, examinando toda a casa, jamais consegue encontrar o objeto perdido, achando pelo caminho uma série de outros botões semelhantes, sendo que nenhum deles pode substituir adequadamente a peça que sumiu. O desejo lacaniano seria essa busca sempre infeliz pelo botão perdido.

O que está como pano de fundo dessa concepção é uma visão da pulsão como um mecanismo desregulado, visão que começa em Freud com a ideia da criança como um perverso polimorfo e continua em Lacan com a teoria da falta.

A pergunta que não quer calar é: por que considerar a plasticidade da pulsão o signo de uma falta ou de um furo fundamental? Por que dizer que o ser humano é faltoso ou furado porque há uma variabilidade quase infinita de escolhas de objeto? Em outras palavras, por que fazer da riquíssima capacidade da pulsão de orientar-se em direção a múltiplas possibilidades o indicativo da perda de um objeto primordial?

Não estaria Lacan, ao teorizar o desejo como resultante da falta, manifestando uma espécie de decepção, frustração ou desapontamento pela inexistência de um objeto adequado à pulsão? Dito de outro modo, não estaria Lacan fazendo da queixa radical do neurótico uma condição necessária de todos os indivíduos?

É o neurótico que chega aos nossos consultórios queixando-se de que não consegue atingir um gozo pleno, de que gostaria muito de saber o caminho certo para a felicidade, mas só consegue desejar, desejar e desejar sem jamais se satisfazer. É esse o desejo neurótico, desejo que, na verdade, nada mais é do que esperança sempre frustrada de uma satisfação absoluta, expectativa de encontro com o botão perdido. É esse desejo doentio, impotente, romântico, que Lacan defende que seja o desejo de todos!

Ora, por que considerar que há um botão perdido a ser procurado? Se não há objeto adequado para a pulsão não é porque num passado longínquo, mítico, esse objeto existiu e foi perdido. A pulsão não é uma garrafa que perdeu a tampa! Ela assemelha-se muito mais a um imenso manancial que jorra incessantemente e cuja água pode desaguar em múltiplos rios, criados a partir das experiências de vida. Nesse sentido, o desejo não é reação à perda da tampa, mas sim uma ação primária, produção, potência. O desejo não é uma busca eterna de um objeto inexistente cuja posse supostamente daria ao sujeito o acesso a um gozo absoluto. Esse é o desejo doentio do neurótico!

O desejo é, na verdade, potência criativa, cuja variabilidade de possibilidades não foi forjada pela perda de um direcionamento único. A capacidade produtiva do desejo lhe é intrínseca, constitutiva. Em vez da imagem da dona-de-casa desesperada à procura do botão perdido, propomos como ilustração para o desejo a cena de um bebê diante de diversos brinquedos. Ora se diverte com um, ora com outro, sem esperança de encontrar nada, apenas fruindo espontaneamente o gozo de agir – atividade primária e não reativa.

Se a dona de casa procura o botão perdido, é porque tem esperança de encontrá-lo. Imagina a camisa sem defeito, com todos os botões adequadamente arranjados. É a imagem da camisa perfeita que fundamenta sua incessante busca. Não ocorre o mesmo com o nosso desejo. Se imaginamos uma completude, é fantasisticamente que o fazemos. Da mesma forma, só no interior de uma fantasia pode haver falta.

Por outro lado, a criança que brinca não o faz para atingir nenhuma completude, não anseia por um gozo absoluto. Brinca porque brincar faz bem, porque lhe proporciona prazer, alegria, lhe faz sentir-se viva, existindo, criando. Desejo, portanto, é criação e não um remédio para uma suposta falta.

Affectus #001 – Lidar com a ansiedade

Eis abaixo o primeiro episódio de “Affectus“, minha nova produção audiovisual voltada para a internet. Fazendo jus ao título do projeto (que é a tradução latina da palavra “afeto”) pretendo produzir em cada episódio uma reflexão sobre impasses e dificuldades emocionais vivenciadas pelos sujeitos na contemporaneidade. Como eu friso no primeiro vídeo, não se trata de nada semelhante à auto-ajuda. Pelo contrário, minha proposta é justamente a de evidenciar que não há uma fórmula mágica para a resolução de nenhum problema subjetivo e que em todos eles fatores irredutíveis ligados à condição humana se fazem presentes.

Ficaria muito feliz se vocês postassem reações ao vídeo nos comentários. Enjoy!

Dá pra ser feliz? Freud e Winnicott respondem (final)

Vimos até aqui que, por tudo o que Freud escreveu, sobretudo a partir de 1920 com a introdução do conceito de pulsão de morte, a felicidade para o pai da psicanálise é um sonho humano fatalmente destinado à frustração. Espero ter deixado claro que essa conclusão faz todo o sentido se levarmos em conta as premissas que guiaram o pensamento do médico vienense.

De fato, se pressupormos como verdadeiras as seguintes asserções:

(1) que entre o indivíduo e a cultura há um conflito inexorável oriundo da presença em cada organismo humano de uma pulsão destrutiva que se contrapõe à vida em sociedade;

(2) que, para que o indivíduo possa se inserir no campo que Lacan chamará de grande Outro, isto é, o campo da cultura, cuja estrutura basilar é a linguagem e suas leis, ele deve necessariamente abdicar de parte de suas tendências pulsionais – o que coloca em jogo novamente um conflito eterno entre o indivíduo e a pulsão;

(3) que a felicidade seria a possibilidade de que tal conflito inexistisse, ou seja, que, no limite, pudéssemos atualizar nossas intencionalidades sem qualquer tipo de impedimento por parte da cultura;

Logo,

(conclusão) a felicidade é de fato impossível.

Em outras palavras, para Freud a felicidade é impossível porque, ao defini-la, ele se coloca na posição do neurótico clássico, incapaz de superar o drama edipiano. Ora, o que significa ser feliz para tal neurótico? Fantasisticamente, poder ter a mãe só para si. Nos termos de Jacques Lacan, poder ter acesso a um gozo pleno, que não existe, mas que o neurótico, em sua fantasia, supõe que exista em algum lugar da terra.

Ora, por que o limite imposto pela cultura aos nossos desejos tem que ser visto necessariamente a partir da ótica da falta, da insatisfação, do mal-estar? Esse é o ponto de vista do neurótico, que sonha em ultrapassar o rochedo da castração. Por que não podemos enxergar no limite a instauração da dimensão do possível na existência humana? Sim, porque todo limite, ao mesmo tempo em que impede a execução de uma determinada intenção, nos mobiliza a inventar uma nova forma de agir, de modo que o limite ou a resistência do real aos nossos desejos nos põe na trilha da criatividade, da invenção. Não obstante, para que paremos de nos queixar diante do limite e passemos a utilizá-lo como motor de criação, nossa âncora subjetiva deve estar em outro lugar que não o da satisfação pulsional. Era assim que Donald Woods Winnicott pensava.

Para-além do mecanicismo: Winnicott e o ser

Refém do modelo mecanicista proveniente da modernidade, Freud jamais conseguiu pensar que para o sujeito humano há algo mais fundamental que as pulsões, algo que, inclusive, possibilita o uso saudável da dimensão pulsional. Para o pai da psicanálise, o ser humano é uma máquina de descarregar pulsões que se complica por sua pertença ao campo da cultura. Para Freud, não há nada na natureza do humano que o singularize com exceção do fato de que nele há pulsões e não instintos, o que faz com que a subjetividade deva ser concebida necessariamente como uma construção social (o que Lacan expressará com sua fórmula: “o sujeito é o que um significante representa para outro significante”).

Em contrapartida, para Winnicott, que não tinha experiência apenas com neuróticos insatisfeitos com a castração, mas com bebês doentes e saudáveis, antes de o homem se ver às voltas com a dinâmica pulsional, algo de caráter muito mais essencial deverá ser constituído. Trata-se do que Winnicott chama de “experiência de continuidade do ser” ou “a experiência de que a vida faz sentido, de que vale a pena viver.”. Para o psicanalista inglês, é esse o elemento fundamental que possibilita uma vida saudável. É essa a âncora subjetiva que todo ser deve possuir para conseguir lidar de modo não problemático nem doentio com as limitações da existência.

A construção do fundamento para a felicidade

Como se constitui essa experiência de continuidade do ser? Winnicott, diferentemente de Freud, não conseguiu ver no bebê humano uma maquininha de descarregar pulsões. A experiência clínica do analista inglês com crianças não lhe deixou dúvidas de que o pequeno filhote de Homo sapiens é dotado de determinadas tendências para o desenvolvimento que, para serem realizadas, precisam de uma contrapartida ambiental, ou seja, a adaptação ativa de alguém. Portanto, o homem não é, nem a princípio nem posteriormente uma máquina burra. Trata-se de um organismo orientado para o amadurecimento.

Num primeiro momento, as necessidades do bebê demandam uma atenção tão intensa por parte do ambiente (mãe) que o bebê não tem condições de discernir-se como um ser separado dele. Se o ambiente for suficientemente bom, isto é, se conseguir atender adequadamente as necessidades da criança, o único registro psíquico que o bebê fará dessa experiência será o de “estar sendo”, ou seja, de existir.

Gradativamente, a dependência do infans em relação ao ambiente vai se relativizando, de modo que a mãe pode se desligar um pouco do bebê. Ainda assim, ela não pode se ausentar por muito tempo. Do contrário, como o bebê ainda não se constituiu como uma pessoa inteira capaz de reconhecer o outro como independente, se for deixado desamparado por longo tempo, ele sente como se estivesse desaparecendo, uma experiência que Winnicott chamou de “angústia inimaginável” e que quebra aquele sentimento de “estar sendo” que vem sendo solidificado desde o nascimento.

Se tudo correr bem, ou seja, se o ambiente não provocar a emergência de angústias inimagináveis no bebê, o indivíduo vai paulatina e naturalmente aceitando o fato de que o outro é independente e possui corpo e psiquismo próprios. Essa passagem ao reconhecimento da alteridade só é feita de maneira saudável, isto é, não-traumática, se o sujeito conseguir consolidar esse estofo subjetivo, essa âncora, que é o sentimento de “estar sendo” ou “sentimento de continuidade da existência”. Esse sentimento funciona como algo que capacita o indivíduo a enfrentar as intempéries da vida sem se deixar abater de modo doentio. É como se, dotado desse sentimento, o sujeito pudesse dizer: “Aconteça o que acontecer, eu sou.”.

A experiência de “estar sendo” permite a atualização na vivência cotidiana de uma dimensão humana que Freud sequer cogitou existir que é o que Winnicott chama de “verdadeiro self”, que é o ponto subjetivo a partir do qual podemos criar. Trata-se de um aspecto do sujeito que Winnicott qualifica como “indevassável” no sentido de que ele é irredutível a qualquer tentativa de incorporação cultural. Ele é a marca de nossa singularidade. No indivíduo saudável, que conseguiu consolidar o sentimento de continuidade da existência, o verdadeiro self não precisa ficar oculto, não precisa ser defendido, pois possui a força daquele sentimento para resistir às limitações do mundo externo.

A presença do verdadeiro self na existência individual possibilita a experiência de sentir que a vida faz sentido. Isso porque só sentimos que a vida faz sentido quando nos sentimos vivendo e, ao mesmo tempo, criando nossa própria experiência vital. Trata-se de uma sensação oposta àquela que experimentamos quando temos que vivenciar situações que nos foram impostas. Nesses casos, vivenciamos uma sensação de futilidade, justamente por não nos sentirmos co-criadores no processo. A experiência do sujeito freudiano clássico é dessa ordem. É um indivíduo que sente as limitações colocadas em jogo por nossa pertença à cultura como meras imposições externas que o tornam insatisfeito. Tal sujeito fundamenta seu ser não na experiência de continuidade de ser, mas na satisfação pulsional. Por isso, sua conclusão será inevitavelmente a de que a vida não vale a pena, ou seja, de que não é possível ser feliz.

Felicidade a toda prova

Finalmente, para Winnicott, a felicidade é sim, possível, e pode ser vista como sinônimo de saúde. E o que é a saúde para Winnicott? Não se trata de uma existência sem desprazer ou sem limitações. Pelo contrário, ser saudável para Winnicott significa ser capaz de incorporar e fazer frente a tais experiências. E isso só é possível se o indivíduo tiver construído seu ser sobre a rocha, para usar uma metáfora bíblica. Construir o ser sobre a rocha significa ter conseguido vivenciar nos momentos iniciais da vida a experiência de ser sem interrupções e sem angústias traumáticas. Essa experiência constitui-se em uma espécie de amparo ambiental introjetado, uma rocha que permitirá ao ser sobreviver às chuvas, aos ventos e às tempestades. Mais do que isso: essa experiência permitirá ao indivíduo encarar a vida não como algo pronto ao qual nosso papel é unicamente o de adaptação, mas sim como uma algo que se abre às contribuições espontâneas e criativas do vivente.

Concluindo, diria que a felicidade, do ponto de vista winnicottiano, não tem a ver com a dimensão dos afetos. Ser feliz não significa experimentar alegria ou prazer, pois isso implicaria em considerar a felicidade como algo fugaz, momentâneo, passageiro. Também não se trata, como pensara Freud, de uma felicidade utópica cuja impossibilidade reside precisamente no fato de ser descrita como estando na dependência daquilo que é barrado pela inserção na cultura. Não. Para Winnicott, a felicidade é uma condição existencial experimentada pelo ser que se sente existindo de modo criativo, ou seja, que não encara a vida como um fardo ou na posição de mero espectador. O que está em jogo é uma felicidade que contempla o imprevisto, o desprazer, a ansiedade como contingências necessárias à existência e não como elementos que tornam o ser infeliz. Em outras palavras, para Winnicott uma felicidade autêntica só pode ser concebida como aquela capaz de sobreviver ao sofrimento sem desfalecer.

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Defesa e Viver Criativo – Um Estudo sobre a Criatividade nas Obras de S. Freud e D. W. Winnicott

Como você lida com o seu passado? (parte 1)

Esta é a primeira parte de um dos dois posts em que pretendo desenvolver algumas idéias que me vieram à mente no decorrer da leitura do texto “O niilismo e o problema da temporalidade” de Gianni Vattimo que figura na excelente coletânea de ensaios do autor intitulada “Diálogo com Nietzsche”. Pra variar, são idéias que buscam estabelecer algumas relações entre o que se encontra no texto e a Psicanálise.

Nietzsche e os dois modos de encarar a história

No início do ensaio, Vattimo aborda o conceito nietzschiano de “eterno retorno” (ewige wiederkehr, em alemão), seu caráter conceitualmente problemático e as diversas interpretações do termo pelos comentadores de Nietzsche. Antes de esboçar a sua própria interpretação, Vattimo faz um breve percurso pelo modo como Nietzsche encara o problema da temporalidade. É essa seção do texto que me serve de inspiração aqui.

Segundo Vattimo, desde seus primeiros escritos Nietzsche tece duras críticas ao modo como a tradição ocidental se acostumou a lidar com sua própria história, a saber: buscando fazer uma remontagem completa dos fatos ocorridos, como se fosse necessário desvendar o que aconteceu no passado em sua totalidade. A maior ilustração dessa tendência de “querer tudo saber”, cujo ponto de origem o filósofo localiza na figura de Sócrates, é o próprio surgimento de uma disciplina científica denominada precisamente “História” que se dedicará justamente a desenvolver métodos e teorias para o conhecimento o mais fiel possível do passado.

Para Nietzsche, esse desejo de produzir um retrato completo do que se passou constitui o que ele chama de “doença histórica”. Sim, doença, pois torna o homem menos capaz daquilo que ele pode fazer ao aniquilar sua criatividade. A investigação minuciosa do passado faz com que se perca a visão do possível na medida em que tudo o que poderia ser criado como novo passa a ser visto como mera reprodução daquilo que já ocorreu. Frente à grande massa do que já aconteceu, a ação que se processa no hoje em vista de um futuro perde em potência e em sentido, pois é encarada como mais um grão de areia na praia do tempo.

Por outro lado, a tendência de querer tudo saber pode levar também à suposição bastante comum de que tudo o que aconteceu, aconteceu em função de uma determinada finalidade: é a idéia de que a história possui um sentido e que, portanto, nossa ação não tem potencial algum de criar algo novo, pois o curso das coisas já se encontra pré-determinado.

Qual alternativa Nietzsche contrapõe à doença histórica? Qual seria o modo correto de lidar com a história na visão do filósofo?

Para Nietzsche a origem da resposta está justamente naquilo que não tem história, ou seja, no elemento que não muda apesar de todo o resto se transformar. Esse elemento é a vida. Nietzsche inverte os termos que foram conjugados na doença histórica. Para o filósofo, o Ocidente colocou a vida a serviço da história. Para Nietzsche o correto é que a história esteja a serviço da vida. E com o termo “vida” o filósofo quer expressar justamente o caráter daquilo que é vivo, isto é, a possibilidade de criação, de invenção e de reinvenção. A relação correta com o passado, portanto, é aquela que vê a história como um manancial de eventos cuja apropriação pode ou não fortalecer, expandir e facilitar a nossa capacidade de criar, de agir. Nem tudo o que aconteceu deve ser apropriado por nós, pois há eventos que limitam e reduzem a nossa capacidade de agir. Ou seja, o crivo para o que deve ou não ser apropriado é sempre a própria vida.

No entanto, para que se possa saber discernir o joio do trigo é preciso estar consciente da própria força da vida, que não muda e que ultrapassa a história. Quem não está consciente da vida não percebe que há algo não-histórico e é, assim, facilmente levado a desenvolver a doença histórica, ou seja, a pensar que é presa de um destino ou que sua ação não vale nada em vista de tudo o que já aconteceu.

O que tudo isso tem a ver com a Psicanálise? É o que veremos no próximo post.

CONTINUA…