Como identificar um paciente neurótico?

A rigor, poderíamos dizer que cada pessoa que nos procura na clínica vivencia uma modalidade particular de sofrimento emocional.

Por outro lado, quando comparadas entre si, essas diferentes formas de adoecimento psíquico podem apresentam traços comuns, muitas vezes até idênticos.

É isso o que nos permite agrupá-las em certas categorias mais ou menos abrangentes.

A neurose foi a primeira dessas categorias a interessar à Psicanálise.

Na verdade, foi buscando encontrar um tratamento eficaz para as neuroses e investigando a gênese dessas formas de adoecimento que Freud inventou a terapia psicanalítica.

É por isso que conceitos fundamentais da Psicanálise como inconsciente, pulsão, recalque etc. derivam diretamente da experiência clínica de Freud com pacientes neuróticos.

Se o primeiro contato de Freud tivesse sido com pacientes não neuróticos, provavelmente os fundamentos teóricos e técnicos da Psicanálise seriam outros.

Mas o que caracteriza a neurose?

Um dos indícios mais confiáveis de que estamos diante de um paciente neurótico é uma verbalização que denota a presença de um conflito psíquico.

— Doutor, eu não consigo deixar de fazer (pensar ou desejar) tal coisa.

— Doutor, eu queria muito fazer (pensar ou desejar) tal coisa, mas não consigo.

Essas são duas estruturas típicas de uma queixa neurótica.

No primeiro caso, temos a descrição de um sintoma. No segundo, o relato de uma inibição.

Ambos evidenciam a existência de uma divisão no sujeito: o que ele conscientemente quer (ou não quer) se contrapõe ao que efetivamente faz (ou deixa de fazer).

Ora, essa situação conflituosa evidencia que o neurótico não sabe DE FATO o que quer, ou seja, que, na verdade, ele tem OUTROS desejos… INconscientes.

Mas por que esses desejos estão inconscientes? Por que o sujeito não os reconhece?

Porque eles entram em choque com a imagem idealizada (também inconsciente) que o neurótico quer ter de si.

Em nome da conservação dessa imagem, o sujeito reprime certos desejos e, para se proteger do reaparecimento deles, sofre com sintomas, inibições e ansiedade.

Um cenário muito distinto é o que observamos na clínica da não neurose.

Mas isso é assunto para outra hora. 😉


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O desejo insatisfeito na histeria e o desejo impossível na neurose obsessiva


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Histeria e neurose obsessiva: dois modos de lidar com a vida

Quando Freud fala de histeria e neurose obsessiva, ele está se referindo a duas formas de adoecimento psíquico, isto é, duas CONDIÇÕES patológicas que uma pessoa pode vivenciar TEMPORARIAMENTE.

A ideia de que existem PESSOAS HISTÉRICAS e PESSOAS OBSESSIVAS é especificamente lacaniana.

Foi Jacques Lacan quem propôs a concepção de que histeria e neurose obsessiva são duas ESTRUTURAS subjetivas.

Em Humanês, isso significa que, para Lacan, existem pessoas cuja personalidade está organizada e funciona de acordo com uma LÓGICA histérica e outras conforme uma LÓGICA obsessiva.

Nesse sentido, do ponto de vista do analista francês, histeria e neurose obsessiva não são necessariamente patologias, mas, essencialmente, MODOS DE LIDAR COM A VIDA.

Com a vida HUMANA, diga-se de passagem.

Enfatizo a palavra “humana” porque, para Lacan, existe uma diferença radical entre a nossa vida e a vida dos outros animais.

Do ponto de vista lacaniano, a vida humana possui dois aspectos peculiares e fundamentais: a dimensão do grande Outro (ou, se você quiser, o Simbólico) e a experiência da FALTA.

A segunda é consequência da primeira.

A existência da dimensão do grande Outro faz com que os seres humanos tenham que abrir mão de parte da sua liberdade natural para existirem no interior da sociedade como SUJEITOS.

Pense, por exemplo, no fato de que, para se comunicar com sua mãe, quando criança, você precisou se SUJEITAR ao idioma dela.

O efeito colateral desse processo de alienação ao grande Outro é o surgimento da experiência da FALTA, já que precisamos cortar uma parte do nosso ser espontâneo para entrarmos no jogo social.

Pois bem! A maioria de nós aceita esse processo de “castração”, mas… mas… mas, AO MESMO TEMPO, nos revoltamos em relação a ele, nutrindo certo ressentimento.

É dessa relação ambígua com a castração que nascem os dois MODOS DE LIDAR COM A VIDA que Lacan chamará de histeria e neurose obsessiva.

Ainda hoje, quem está na CONFRARIA ANALÍTICA receberá uma AULA ESPECIAL em que comento algumas das principais características dessas duas posições subjetivas, como elas se manifestam na clínica psicanalítica e qual deve ser o manejo do analista com cada uma delas.

Te vejo lá!


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Você possui um olhar HISTÉRICO em relação à vida?

Originalmente, histeria era o nome dado a um tipo de adoecimento conhecido desde a Antiguidade em que a pessoa pode apresentar sintomas físicos como dores, dormências, paralisias bem como desmaios e crises aparentemente convulsivas. Todavia, num quadro histérico, nenhuma dessas manifestações é causada por fatores orgânicos. A origem delas é totalmente psíquica ou, como se costuma dizer atualmente, emocional.

Atualmente, no meio médico, não se utiliza mais o termo histeria. Um psiquiatra, por exemplo, falaria em “transtornos dissociativos, conversivos e somatoformes” para se referir a um quadro clínico como o descrito acima.

Na psicopatologia psicanalítica, a categoria de histeria permanece válida. Contudo, hoje em dia os analistas entendem que a histeria não se refere apenas a uma entidade clínica, mas é também UM MODO DE SE POSICIONAR DIANTE DA VIDA ou, se você preferir, uma estrutura de personalidade.

A pesquisa psicanalítica evidencia que os sujeitos histéricos não conseguiram encontrar uma saída para uma questão humana fundamental que nos é apresentada já nos primeiros anos de infância: o problema da diferença entre os sexos.

Para todo o mundo é difícil fazer o reconhecimento de que homem e mulher são apenas diferentes, isto é, que não existe um sexo superior ou inferior ao outro. O histérico, contudo, ficou preso a essa dificuldade e não conseguiu sair desse impasse. É isso que está implícito nas noções freudianas de “medo da castração” e “inveja do pênis”. O menino só tem medo de ser castrado porque acredita que há seres que efetivamente o foram: as mulheres. A menina, por sua vez, só tem inveja do pênis porque imagina que esse órgão confere completude aos homens.

O sujeito histérico é aquele que não conseguiu ultrapassar essas ilusões infantis. Ele continua achando que existem pessoas que são completas, plenamente felizes, que possuem tudo, ao passo que outras (entre as quais ele se inclui) são impotentes, faltosas, incompletas. Cronicamente insatisfeito, o histérico está sempre numa postura de queixa e reivindicação, denunciando a suposta completude do outro.

Você possui esse olhar histérico em relação à vida ou conhece pessoas que o possuem?


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Não são as respostas que movem o mundo. São as histéricas.

Originalmente, histeria era um termo utilizado para designar uma variedade de quadros psicopatológicos, mais frequentes em mulheres, que tinham como traço comum a aparência de serem simulações. Com efeito, as histéricas apresentavam diversos sintomas físicos como dores, paralisias de membros e desmaios, mas não possuíam nenhum problema real em seus corpos. Pareciam, portanto, estarem simulando doenças para “chamar a atenção”.

Freud descobriu que, de fato, era isso mesmo. As histéricas inventavam doenças para chamar a atenção. No entanto, esse processo não acontecia de modo consciente. Além disso, Freud não olhou com menosprezo para o desejo histérico de chamar a atenção. Pelo contrário, decidiu investigá-lo para tentar entender o que levaria alguém a simular uma doença real e sofrer por conta disso apenas para conseguir chamar a atenção. Por que a atenção seria tão importante para aquelas mulheres?

A conclusão de Freud foi a de que elas precisavam da doença para chamar a atenção porque viviam em um contexto no qual não podiam se expressar espontaneamente. A fabricação de uma doença era o único meio de que dispunham para manifestar sua revolta contra a a civilização que, para funcionar, precisa necessariamente produzir dejetos, restos, lixo.

Ao adoecerem, as histéricas denunciavam a falsa paz da sociedade de sua época, obtida às custas do silenciamento da espontaneidade feminina. Foi graças a elas que Freud se viu levado a investigar o esgoto que a civilização produz em cada um de nós e batizá-lo de Inconsciente. Foi também pela incitação delas que o médico vienense se aventurou a mapear a sexualidade humana.

As histéricas são aquelas que não admitem a hipocrisia inerente ao laço social. São aquelas que se revoltam diante de situações para as quais a maioria das pessoas diz: “Deixa pra lá, é assim mesmo, sempre foi”. Incapazes de se submeterem passivamente às ordens do outro, são aquelas que questionam a tradição e apontam para aquilo que ela sufoca, reprime, apaga.

Se não fossem os gritos, as reclamações, os escândalos das histéricas, o mundo seria imóvel, previsível e chato.


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[Vídeo] Histeria e Psicanálise: ENTENDA TUDO | Aula 03

Nesta aula: quatro traços típicos da estrutura histérica: insatisfação crônica, sedução/dramatização, repúdio à sexualidade e compulsão a “castrar” o outro.

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[Vídeo] Histeria e Psicanálise: ENTENDA TUDO | Aula 01

Este é o primeiro vídeo da série “Histeria e Psicanálise” na qual pretendo explicar o que é a histeria, como se formam os sintomas histéricos e os traços constitutivos da estrutura histérica de personalidade. Nesta primeira aula, falo sobre o encontro de Freud (e de Breuer) com as histéricas do final do século XIX e as primeiras descobertas pré-psicanalíticas relativas à gênese dos sintomas histéricos.

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A invenção do inconsciente: Freud e o nascimento da Psicanálise

NOTA: Este texto foi escrito há um ano atrás com a finalidade de servir como material de apoio para a primeira aula de um curso de introdução à Psicanálise que, infelizmente, não aconteceu. Enjoy!

***

Grande parte das pessoas ao ouvir o termo “psicanálise” imediatamente o associa a um corpo teórico mais ou menos sistematizado, composto de diversos enunciados e hipóteses a respeito do funcionamento do aparelho psíquico, do modo como se constituem as neuroses, etc. No entanto, é preciso assinalar que tal definição corresponde muito mais à teoria psicanalítica do que à psicanálise propriamente dita.

A psicanálise, em seu sentido mais estrito, nasce como um tipo bastante eficaz de tratamento das neuroses. O termo neurose, tal como utilizado no nascimento da psicanálise, era o nome dado no século XIX às patologias que se davam no plano do psiquismo ou estavam a ele associadas. O prefixo “neuro” denota a concepção etiológica vigente na época, segundo a qual tais patologias ocorreriam em função de lesões neurológicas. Daí a separação entre esse grupo de doenças e as psicoses, para a qual se postulava uma etiologia predominantemente psíquica, como assinalado pelo prefixo “psico”.

A neurose que provocava maior alarde na sociedade burguesa da virada do século XVIII para o século XIX, principalmente por sua freqüência nas mulheres, era a histeria. O termo histeria é derivado do grego hysteros que significa útero, pois durante alguns séculos pensou-se que tal patologia só acometesse mulheres. Do que padeciam pessoas acometidas de histeria? A lista de sintomas passíveis de serem encontrados em quadros histéricos é imensa, mas o elemento comum de todos eles é a existência de uma disfunção ou desordem somática sem a presença de uma lesão orgânica correspondente. São célebres os casos de histéricos que não enxergavam embora possuíssem seus olhos intactos, com toda a estrutura fisiológica necessária para a visão. Assim também, casos de cefaléia, afonia, surdez, paralisia de membros, todos, em um quadro histérico, pareciam meros lances de uma peça teatral, pois o paciente parecia estar fingindo que apresentava o sintoma já que todos os exames não conseguiam localizar uma gênese orgânica para o que o doente sentia.

A histeria se apresentava, portanto, como uma patologia que colocava em xeque a capacidade explicativa de uma medicina que recentemente houvera adotado a anátomo-patologia como disciplina de base e estruturado sua concepção de doença em torno da noção de que para cada sintoma corresponderia uma determinada lesão orgânica. A histeria atestava o furo do saber médico que, justamente por concentrar seu foco na anátomo-patologia acabava por negligenciar a dimensão subjetiva do adoecimento.

A medicina, no entanto, não deu o braço a torcer. Não conseguindo formular uma explicação a partir de seu modelo, caracterizava a histeria como um quadro de piti[1] de donas-de-casa insatisfeitas com sua condição. Em outras palavras, para a maior parte dos médicos da época, todos aqueles sintomas não passavam de formas bastante teatrais de “chamar a atenção”. Essa estratégia de, na ausência de um modelo explicativo, rebaixar o fenômeno à condição de indigno da apreciação científica ainda persiste na atualidade através do célebre jargão repetido por muitos médicos quando os exames não evidenciam uma base orgânica para os sintomas apresentados pelo paciente. Dizem eles: “Você não tem nada.”, o que constitui antes de tudo um completo desrespeito ao paciente na medida em que se desconsidera o estado subjetivo do doente, tomando os exames médicos como atestados de uma verdade absoluta.

Pois bem, após essa pequena digressão, voltemos ao nosso tema central. Podemos dizer que a psicanálise é a filha nascida de um encontro fortuito. Encontro entre Freud e a histeria. No final do século XIX, Freud, um recém-formado médico neurologista, pretendia investir na carreira acadêmica, realizando pesquisas na área de neurologia. Foi ele, inclusive, um dos primeiros pesquisadores que investigou os efeitos da cocaína no organismo humano. No entanto, em função de dificuldades financeiras, Freud resolveu trabalhar também como clínico, a princípio atendendo pacientes indicados por seu amigo Breuer. Este, como muitos outros neurologistas da época, fazia uso terapêutico de um método recentemente formulado chamado hipnose, o qual consistia, basicamente, em fazer com que o paciente saísse de seu estado de vigília, mas que conservasse a capacidade de se conscientizar de determinadas representações e lembranças das quais não conseguia se lembrar quando desperto. Breuer, tal como o médico francês Charcot, aplicava esse método no tratamento da histeria.

O procedimento se dava, em linhas gerais, da seguinte forma: o médico hipnotizava o doente, deixando-o numa espécie de estado sonambúlico. Durante esse estado, o médico dizia ao paciente que ele não possuía o sintoma do qual se queixava. Ao restabelecer-se do estado hipnótico o paciente não mais apresentava o sintoma. A concepção que sustentava tal prática era a de que os sintomas histéricos eram devidos a “idéias dominantes” que “possuíam” o espírito do doente. Assim, a função do médico era a de apresentar ao pacientes idéias que suplantassem o poder das “idéias dominantes” patogênicas de forma a neutralizar o efeito das mesmas.

Posteriormente, tanto Freud quanto Breuer começaram a perceber que durante o estado hipnótico, os pacientes freqüentemente faziam referência a acontecimentos de seu passado e era comum que após tais relatos os sintomas fossem eliminados, sem qualquer interferência do médico. Freud e Breuer elaboraram, então, a teoria da “ab-reação” e com ela uma nova concepção etiológica da histeria. Essa teria sido causada por um trauma, sendo este um evento qualquer diante do qual o paciente não teria reagido adequadamente. A energia psíquica acumulada em função dessa reação mal-sucedida seria canalizada na forma dos sintomas. Assim, durante a hipnose, o paciente teria a oportunidade de acessar novamente as lembranças vinculadas ao evento traumático e reagir a ele de forma diferente. É essa reação retroativa ao trauma que Freud e Breuer chamaram de “ab-reação”. A tarefa, portanto, do médico, seria a de auxiliar o paciente, durante a hipnose, a rememorar os eventos traumáticos que deram origem a seus sintomas para que eles fossem ab-reagidos.

Duas constatações clínicas serviriam para distanciar Freud de Breuer, permitindo ao primeiro se tornar o inventor da psicanálise: a sexualidade e a resistência. Freud constatava em seus tratamentos que era bastante freqüente que os eventos traumáticos dos quadros de histeria estivessem direta ou indiretamente relacionados com conteúdos sexuais. Breuer não compartilhava do ponto de vista de Freud, considerando-o mera interpretação. Além disso, Freud observava que em diversas ocasiões o paciente não conseguia se lembrar de determinados acontecimentos relacionados ao evento traumático e, não raro, do próprio trauma. Como explicar isso? Seriam alguns histéricos portadores de lesões em áreas do cérebro responsáveis pela memória? Ou será que o esquecimento se dava em função do fato de as tais lembranças estarem relacionadas a um passado remoto, o que as tornariam menos facilmente capazes de voltar ao plano da consciência? Para Freud nenhuma dessas hipóteses fazia sentido. Aquele jovem médico vienense preferiu adotar o ponto de vista popular, personificado na suspeita da esposa de que quando o marido esquece seu nome ele está pensando em outra mulher. Para Freud, o histérico – mas não só ele, todos nós – nos esquecemos ou não conseguimos nos lembrar de determinados eventos simplesmente porque não queremos fazê-lo, porque não nos agrada lembrar, porque nos é penoso, porque nos envergonha ou porque queremos pensar em algo que nos dá mais prazer (como no exemplo). Ou seja, trata-se de um ato que pressupõe uma intencionalidade, ou, para usarmos um termo filosófico, pressupõe um sujeito, um sujeito que decide, que quer esquecer determinados fatos ou pensamentos de sua vida.

Para Breuer, isso era um disparate. Formado na tradição anátomo-patológica da medicina que, diante de um paciente, via um corpo, um simples organismo, o colega de Freud não podia conceber que dentro do paciente havia uma pessoa, um sujeito e, ainda mais, que tal sujeito fosse inconsciente! Para Breuer, os esquecimentos histéricos eram resultado do fato de que, na experiência do trauma, a pessoa não estaria plenamente consciente, mas num estado que hoje poderíamos chamar de “obnubilação da consciência”, ou seja, num estado semelhante ao estado hipnótico. Daí que a hipnose fosse reconhecida como a única técnica capaz de tratar a histeria, visto que aquela reproduziria no paciente o próprio estado de consciência em que o trauma foi gerado.

Se o paciente não conseguia se lembrar de determinados eventos, logo havia algo que o impedia de fazê-lo. Foi esse “algo” que Freud chamou de resistência. Note que com esse termo Freud avança no seu processo de descoberta do sujeito visto que torna-se preciso supor alguém que resiste. Além disso, o fenômeno da resistência acrescenta ainda outra pergunta ao processo terapêutico, pois o médico precisará saber não só quais foram os eventos traumáticos que provocaram os sintomas, mas também por que o paciente resiste a lembrar-se deles. É nesse momento que ocorre a virada do método catártico para a Psicanálise. O primeiro tinha como objetivo ocasionar uma ab-reação, isto é, uma reação retroativa a um evento traumático. Quando Freud se apercebe do fenômeno da resistência, as finalidades do tratamento passam a ser mais complexas, pois a ab-reação não coloca em questão as razões pelas quais o evento traumático foi deslocado para o campo inconsciente, ou seja, por que o paciente excluiu tais lembranças de seu campo de consciência.

Assim, o tratamento não é mais visto como um processo de desabafo, de explosão emocional tal como acontecia na catarse. Pensa-se agora numa estratégia de análise do psiquismo, de uma psico-análise, de uma psicanálise como aportuguesamos. O paciente agora não é mais convidado a submeter-se a alguém que escarafunchando-lhe as idéias permitir-lhe-á reagir de forma diferente a seu passado. Trata-se agora de chamar o paciente a tornar-se ativo nessa viagem para dentro de si mesmo. O médico (analista) passa a ser um mero instrumento para que ele (paciente) possa se escutar, coisa que não costumamos fazer cotidianamente…

E qual técnica Freud coloca no lugar da hipnose e da catarse? Entendendo que a resistência é um fenômeno advindo do eu da pessoa que olha para si mesma e emite um juízo de que determinadas representações não devem vir para o plano da consciência, logo, a melhor estratégia para conseguir ao mesmo tempo driblar e entender a resistência é solicitar ao paciente que tente ao máximo deixar de lado essa função egóica de julgar as representações que vem ao campo de consciência. Em outras palavras, pedir a ele que diga tudo o que lhe vier à cabeça. É o que Freud chamou de “associação livre”, mas que do original alemão poderia ser mais bem traduzido como “intrusão livre”, pois a idéia é justamente a de que o paciente não associe, mas que permita a entrada livre em sua consciência das representações que lhe surgirem.

Pois bem! Acompanhamos todo o processo que vai desde o encontro até a gestação que deram origem à Psicanálise. À guisa de conclusão deste primeiro texto introdutório, cabe-nos precisar as conseqüências da invenção da Psicanálise e do conceito de inconsciente para a história do pensamento humano. Você por acaso já se deu conta de quão estranha é a idéia de inconsciente? Provavelmente não, visto que todos nós já nascemos num meio sócio-cultural em que tal idéia já se tornou familiar. No entanto, não se enganem: ela é completamente subversiva! Haja vista que foi preciso pelos menos uns quatro milênios de pensamento humano para que alguém a sistematizasse. A idéia de que o que somos não se limita àquilo que pensamos que somos é bastante insólita. A maior parte da filosofia tal como a conhecemos se desenvolveu a partir da idéia básica e fundamental de que nós somos transparentes a nós mesmos, que não há nada de oculto em nosso ser. Foi Freud quem sistematizou essa constatação óbvia – e por isso mesmo difícil de ser vista – de que somos divididos; de que, como diz o apóstolo Paulo, não fazemos o bem que queremos, mas o mal que não queremos. Em suma, e para usar termos filosóficos, que o nosso ser nos ultrapassa, que não somos lá onde nos pensamos (como queria Descartes), pois onde nos pensamos (isto é, no inconsciente) não somos.

Lucas Nápoli

Rio de Janeiro, 12 de abril de 2010.


[1] Ainda hoje é utilizado no meio médico o termo “pitiatismo” paracaracterizar pacientes que apresentam sintomas indefinidos, sem base orgânica e que promovem uma dificuldade na elaboração de diagnósticos.

Objeto roubado: a falta no obsessivo e na histérica

01samsonPenso que talvez o recalque seja, antes de mais nada, a forma que o sujeito encontra para manter estável seu ego. Como um conjunto de identificações que é, o ego, como dissera Freud, tem uma tendência forte à síntese, i. é, uma compulsão a fazer parecer que é uno e indivisível. Recalcar uma determinada representação mental, então, seria o mecanismo empregado pelo sujeito para se manter firme diante do perigo que determinado pensamento representaria para sua estabilidade. Essa estabilidade pode ser aqui entendida como a crença na falta de um buraco no ego ou, se me permitem o jogo de palavras, o acreditar na falta da falta.

O neurótico obsessivo é o paradigma do sujeito que não acredita que algo nele falta. Tanto mais que para o obsessivo algo nele sobra. Sobra tanto que ele deve dar aos outros, deve pagar uma dívida eterna. Se ele deve pagar aos outros é porque tem mais e não menos. Os outros precisam do que nele sobra.

A histérica apesar de parecer reconhecer sua falta, na verdade revive as justificativas infantis de que a culpa é do outro. Para a histérica, sua incompletude é uma questão de “distribuição de renda”. Se algo está errado é porque o Outro roubou aquilo que era dela por direito. Entendam bem isso: a histérica reivindica aquilo que para ela é dela mas está nas mãos do outro, ou seja, ela não se reconhece como incompleta, ou se assim o faz, não admite que ela por si só é uma falta-a-ser, mas entende que o Outro deve preencher uma falta que ele próprio causou. Daí que a histérica permaneça sempre em reivindicação. É a forma dela de mostrar que foi roubada, que foi castrada e, portanto, de demonstrar que sua falta não é legítima.

Já o obsessivo, com sua dívida impagável, faz parecer que tem muito. Tanto que sua dívida é eterna, pois se a dívida acaba, há o perigo de se descobrir a falta. O obsessivo posa como o rico que não é. Ele e a histérica se projetam um no outro. O obsessivo fazendo parecer que a falta está na histérica. Essa, por sua vez, acreditando que aquele roubou o que ele diz que nela falta. É uma dinâmica análoga à do mestre e escravo de Hegel. Assim como a histérica só se reconhece como pedinte a partir do momento que reconhece o obsessivo como o que tem de sobra, o que tem lucro (o roubo honesto), o escravo só reconhece como tal no momento em que reconhece o outro como senhor. E assim como o obsessivo, o senhor não reconhece ninguém. É esse o desespero do obsessivo e do senhor: o ter demais, o ter além da conta, de forma que ainda que se pague a todos nunca se conseguirá pagar tudo, pois o objeto roubado da histérica sempre será menor que o buraco deixado por sua falta.