“Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso.”

Eu sei que citar frases da Clarice Lispector (especialmente aquelas que a autora nunca escreveu) é a coisa mais clichê da internet brasileira.

No entanto, peço a vocês licença para cometer essa gafe, pois há uma citação da escritora que sintetiza com muita nitidez o que pretendo demonstrar hoje.

Tá numa carta dela para a irmã Tania:

“Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso — nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”.

Imagine o quão chato, pobre e sem graça o mundo seria sem a obstinação dos obsessivos, a insatisfação dos histéricos, o olhar crítico dos deprimidos…

Não se trata de glamourizar ou romantizar as doenças da alma, mas de constatar o fato óbvio de que nossos sintomas, apesar de dolorosos, podem, como diz Clarice, sustentar o edifício de nossas vidas.

Quase todos os dias atendo estudantes universitários e frequentemente me deparo com jovens que provavelmente não conseguiriam chegar a um curso de Medicina ou Direito em uma universidade pública se não fosse pelo excesso de autocobrança que vivenciam desde a adolescência.

E o que dizer do tão mal falado desejo de agradar e ser aceito? Estou certo de que perderíamos excelentes cantores, atores e outros artistas se tal “distúrbio” fosse extirpado deles por algum bem intencionado processo terapêutico…

Por acaso teríamos o belíssimo romance “O jogador”, de Dostoiévski, se o próprio autor não fosse um viciado em tentar a sorte?

Ah, Lucas, então você está dizendo que as pessoas não deveriam buscar tratamento para seus problemas emocionais?

É óbvio que não, cara pálida!

Até porque boa parte do meu trabalho cotidiano é dedicado justamente a ajudar pessoas que estão em sofrimento psicológico.

A intenção desse texto é apenas a de oferecer um contraponto à cultura “saudista” que infesta os nossos dias, especialmente nas redes sociais.

Se dependesse de alguns perfis aí de desenvolvimento pessoal, por exemplo, todo o mundo deveria se transformar em uma cópia de Tony Robbins.

Não raro, a dificuldade de concentração de quem supostamente padece de TDAH costuma ser o superpoder que torna essa pessoa mais criativa do que as superfocadas.

De fato, “até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso”…


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