[Vídeo] “Sem mim você não é nada”

Esta é uma pequena fatia da aula especial “LENDO KLEIN 04 – Idealização, insegurança e relações abusivas”, que já está disponível no módulo “AULAS ESPECIAIS – KLEIN” da CONFRARIA ANALÍTICA.


Participe, por apenas R$49,99 por mês ou 497,00 por ano, da CONFRARIA ANALÍTICA, uma comunidade exclusiva, com aulas semanais ao vivo comigo, para quem deseja estudar Psicanálise de forma séria, rigorosa e profunda.

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Idealização e insegurança: motores de relações doentias

— Eu não queria falar de novo do Diego, Clara, mas não tem jeito… Toda semana acontece alguma coisa.

Foi assim que Larissa, uma jovem estudante de Direito, começou sua décima sessão de terapia com a psicanalista Clara.

— No sábado de manhã, a Maria, uma amiga que eu não encontrava há anos, me mandou uma mensagem dizendo que estava na cidade e queria me encontrar.

— Hum… — pontou a analista, demonstrando interesse pela narrativa.

— Como é uma amiga de quem eu gosto muito, já fui logo marcando com ela de nos encontrarmos à tarde nesse shopping que tem aqui perto.

— O Palace, né?

— Isso. Aí cheguei para o Diego toda feliz e falei com ele que iria encontrar a Maria mais tarde.

— Hum…

— Ele disse que eu não iria de jeito nenhum, que a Maria é uma piriguete que dá para todo o mundo e que não queria a mulher dele envolvida com gente desse tipo.

— Mas você foi mesmo assim?

— Não — respondeu Larissa com a voz já embargada — Dei uma desculpa para a Maria… Falei que eu tinha dado uma crise alérgica e tal…

Depois de dizer isso, a paciente começou a chorar e direcionou à terapeuta um olhar suplicante.

— Eu não aguento mais, Clara. Não quero mais viver presa desse jeito, mas eu não consigo sair dessa relação.

— E por que você acha que não consegue? Fale a primeira coisa que vier à sua cabeça.

— O primeiro pensamento que me veio foi “porto seguro”. O Diego é o meu porto seguro. Eu acho que sem ele eu ficaria completamente perdida. Ele mesmo já me disse isso…

Sem perceber, Larissa IDEALIZA a figura do marido.

Ao invés de enxergá-lo como um parceiro amoroso, a jovem o percebe como um ente absolutamente necessário para lhe dar sustentação na vida.

Na AULA ESPECIAL de hoje da CONFRARIA ANALÍTICA, falaremos justamente sobre o papel da IDEALIZAÇÃO na manutenção de vínculos doentios como esse.

Com base num trecho de um artigo de Melanie Klein, veremos por que certas pessoas se submetem voluntariamente a parceiros que encarnam para elas o papel de deuses superpoderosos.

A aula já está disponível na nossa plataforma! O título dela é “LENDO KLEIN #04 – Idealização, insegurança e relações abusivas​​” e está publicada no módulo “AULAS ESPECIAIS – KLEIN”.


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Idealização e demonização do pobre no Brasil

A motivação para que eu escrevesse este texto surgiu a partir de um comentário feito por um apresentador desses programas sensacionalistas “estilo Datena” que cada vez mais se multiplicam na TV aberta. O comentário do apresentador fora feito após a exibição de uma reportagem que mostrava os preparativos para uma manifestação cultural organizada pelos moradores de uma comunidade de baixa renda de um município de Minas Gerais. Após a matéria, o apresentador disse algo mais ou menos nesses termos: “Quem mora no morro é gente de bem, honesta e trabalhadora. Os criminosos são exceções.”. Evidentemente, tal apresentador não foi o único a dizer esse tipo de coisa; falas como essa aparecem com frequência na mídia.

A minha intenção com este post é demonstrar como, por detrás desse comentário aparentemente “justo” e “pertinente”, se camufla uma tentativa pérfida de negar ao pobre sua condição humana e, em decorrência, seu estatuto de sujeito no meio social. Para comprovar essa tese, farei uso da teoria psicanalítica, mais especificamente dos conceitos de idealização e cisão, os quais, em Psicanálise, constituem dois mecanismos de defesa. Freud os utilizou, mas foi a inspiradora e perspicaz Sra. Melanie Klein quem mais os aprimorou evidenciando o papel deles no desenvolvimento psíquico dos bebês. Não vou me alongar muito, pois a idéia é relativamente simples.

Cisão e idealização em Psicanálise

Tanto Freud quanto Klein perceberam através de suas respectivas experiências clínicas que uma das formas que temos de nos defender da constatação inevitável de que a pessoa que tanto amamos pode nos dar prazer, carinho, aconchego e satisfação como também nos frustrar, nos agredir e falhar conosco é dividindo a imagem que temos dessa pessoa em duas: uma boa e outra . É esse o mecanismo de defesa da cisão. Defesa contra quê? Contra a angústia que aparece no momento em que a gente se dá conta de que aquela pessoa não é a perfeição toda que a gente imaginava. A angústia nem é tanto pela constatação das imperfeições do outro, mas porque as imperfeições do outro fazem com que a gente se aperceba de que nós próprios não somos perfeitos.

De todo modo, após operarmos essa divisão, nós passamos a nos relacionar apenas com a parte boa da pessoa, isto é, a parte previsível, sem defeitos, que não nos causa angústia. Todavia, como a realidade (ou, nesse caso, a parte má que foi descartada) não cessa de bater na nossa porta, a gente exagera as qualidades boas da pessoa e exclui de vez os seus defeitos da imagem que temos dela, dizendo para nós mesmos que eles não lhe pertencem. É precisamente isso o que em Psicanálise nós chamamos de idealização.

Preguiçosos ou trabalhadores?

Pois bem, a minha tese é de que os brasileiros fazem o mesmo com aqueles que são menos favorecidos economicamente. Em função do incômodo e do mal-estar gerados pela distribuição criminosamente desigual de renda no país, os quais se manifestam através justamente da violência, nós estabelecemos uma cisão na imagem que temos do pobre. Com que objetivo? Ora, assim como a cisão no plano da psicologia individual tem o objetivo de resguardar nosso narcisismo, no nível social, essa divisão na imagem do pobre é feita com a intenção de mascarar os reais fatores que geram o mal-estar, sendo o principal deles a péssima distribuição de renda. Ou seja, o objetivo é manter intacto o narcisismo da sociedade como um todo.

Assim, para alguns, o problema da violência passa a ser localizado na “natureza” do pobre, através de proposições como a de que pobre não gosta de trabalhar; que é “naturalmente” dado à preguiça; que de levar vantagem em tudo; que só gosta de fazer filho para ganhar mais uma “Bolsa Família” etc. Todos esses argumentos eu já ouvi literalmente. Em contrapartida, para outros, como o apresentador do início do post, o pobre é um exemplo de ser humano: honesto, moralmente íntegro, trabalhador, “de bem”, cumpridor de seus deveres legais.

Anjos ou demônios; jamais humanos

Temos, portanto, claramente duas imagens do pobre: de um lado um diabo que corrói o meio social e que sofre por consequência de sua própria preguiça e do outro um anjo, perfeito, sem qualquer tipo de falha. A grande sacada é perceber que essa última visão angelical não é o avesso da outra, pois ambas possuem uma mesma origem: o desejo de criar uma imagem universal do pobre que jamais corresponderá a nenhum pobre em particular, pois cada pobre singular, como todo ser humano, não é natural nem plenamente bom ou mau.

A idealização nega ao pobre a possibilidade de não corresponder às expectativas do meio social, pois a não-correspondência é tomada como índice de que sua natureza seria o oposto, isto é, má. Por exemplo, quando nosso apresentador diz que as pessoas em geral que moram no morro são honestas, ele está fixando nelas uma falsa essência. Ninguém é honesto ou desonesto. As pessoas têm atitudes honestas e desonestas em contextos específicos e isso vale tanto para pobres quanto para ricos, mas ninguém é essencialmente honesto ou desonesto porque mesmo que nunca tenha cometido um ato de desonestidade essa figura como possibilidade, a menos que se trate de uma máquina. A idealização, portanto, longe de valorizar o pobre, veda-lhe o direito de errar. Por outro lado, quando se o demoniza, ocorre o oposto: o direito que lhe é negado é o de acertar. Estabelece-se assim, de ambos os lados, a retirada do estatuto de humano ao pobre, isto é, de possibilidade tanto do “erro” quanto do “acerto”, conceitos que, obviamente, se estabelecem a partir de convenções sociais.

A idealização ou demonização do pobre constituem estratégias defensivas contra o incômodo de descobrir as razões pelas quais em determinados momentos o pobre age de um modo que qualificamos como “bom” e em outros de uma maneira que denominamos “má”. Por que isso geraria incômodo? Por que no fundo todo mundo sabe que boa parte dessas razões tem a ver com o modo injusto como erigimos nossa sociedade.

Concluindo…

É mais fácil afirmar categoricamente que o pobre é preguiçoso por natureza do que tentar compreender as razões da sua “preguiça” e descobrir que se é um péssimo patrão que não oferece condições satisfatórias de trabalho e paga um salário indecente. Por outro lado, é também mais cômodo negar que o pobre, como também o rico e qualquer ser humano, gosta mais do descanso do que de um trabalho estafante e dizer que o pobre adora trabalhar, é sempre honesto e “de bem”…