A descoberta freudiana do Inconsciente evidencia que as marcas que a vida deixa em nós se articulam de modo autônomo, desafiando nossa liberdade e condicionando nossas escolhas. Sim, a gente decide, seleciona, faz opções, somos responsáveis por elas, mas não necessariamente somos livres ao fazer isso.
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Há terapeutas que dizem expressamente para seus pacientes que trabalharão exclusivamente com o presente, com o “aqui e agora”.
Eles entendem que o passado não tem muito peso na vida do sujeito e que o mais importante são as escolhas que a pessoa faz no presente.
Assim, quando o paciente começa a falar muito do que aconteceu em sua história, o terapeuta trata de censurá-lo e dizer que ele deve se focar no presente.
Não, não é meme.
Eu já ouvi mais de uma pessoa me relatando ter passado por tal experiência em psicoterapia.
Um psicanalista jamais adotaria essa atitude de desprezo ao passado e supervalorização do presente.
Todo o mundo sabe que a Psicanálise dá um peso enorme àquilo que aconteceu com o sujeito na infância.
E isso não acontece por acaso.
Se os psicanalistas dão tanta ênfase à infância é por saberem que é muito mais difícil lidar com os desafios da vida nessa época.
Explico:
Na infância, estamos muito vulneráveis ao que acontece no ambiente por ainda sermos muito dependentes dele.
É o que eu costumo dizer em algumas aulas:
Um adulto que se sente oprimido em seu relacionamento pode simplesmente decidir sair dele.
Por outro lado, uma criança que esteja sendo agredida ou abusada pelos pais, não tem escolha. Ela terá que permanecer na relação com eles independentemente da sua vontade.
Entenderam, colegas existencialistas? A gente pode até conceder que os adultos escolhem o rumo de suas vidas. Não acho que seja bem assim, mas tudo bem…
Já as crianças, na maioria das vezes, não têm essa possibilidade de escolha.
A essa condição de vulnerabilidade e dependência, soma-se ainda o fato de que a criança possui um Eu ainda muito frágil e inconsistente.
Isso faz com que os pequenos tenham dificuldade para lidar com conflitos, sobretudo aqueles relacionados aos impulsos sexuais, sem utilizarem mecanismos de defesa patológicos.
Aquilo que um adulto encararia com naturalidade ou, no máximo, um leve desconforto, a criança pode enxergar como algo aterrorizante.
O problema é que as marcas desse modo infantil de encarar a vida não desaparecem apenas com o passar do tempo.
Podem permanecer em nós por décadas e décadas, provocando sintomas, inibições e ansiedades…
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Jean-Paul Sartre, filósofo francês, defendia a tese de que, no caso dos seres humanos, a existência precede a essência, ou seja, aquilo que cada pessoa é não seria uma expressão de uma suposta natureza intrínseca, mas o resultado condensado das escolhas que vem fazendo desde que nasceu.
Uma porta não é assim. Uma porta concreta é meramente a materialização de um projeto de porta que já existia antes dela na mente do fabricante.
No caso dos outros animais, também não vale a afirmação de que a existência precede a essência. Afinal, os bichos não fazem escolhas. Eles apenas reagem de forma mais ou menos padronizada às pressões do próprio corpo e do ambiente. Nesse sentido, um cachorro x é meramente uma expressão particular da espécie canina, cuja essência pode ser inferida por meio da observação de qualquer cão.
Quando consideramos o Homo sapiens, a história é outra. Dada a diversidade imensa de perfis humanos, não é possível extrair da observação de uma pessoa particular uma noção geral de natureza humana. Pense, por exemplo, nas diferenças abissais existentes entre indivíduos como Josef Stálin e São Francisco de Assis.
Portanto, Sartre está corretíssimo ao propor que, no caso do homem, a essência é um projeto que vai sendo permanentemente construído e reconstruído em função dos caminhos que cada pessoa toma ao longo da vida.
O que talvez tenha escapado a esse brilhante expoente do Existencialismo, é que as escolhas que fazemos não são integralmente livres. A descoberta freudiana do Inconsciente evidencia que as marcas que a vida deixa em nós se articulam de modo autônomo, desafiando nossa liberdade e condicionando nossas escolhas. Sim, a gente decide, seleciona, faz opções, somos responsáveis por elas, mas não necessariamente somos livres ao fazer isso.
De fato, não temos uma essência prévia, tal como a porta ou o cachorro, mas isso não significa que tenhamos autonomia absoluta sobre o destino de nossas vidas. O que nos tornaremos não é algo que já esteja pré-determinado desde antes do nascimento, mas também não é produto apenas de nossas escolhas voluntárias.
Como diria o poeta, somos quem podemos ser.
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