
Agora há pouco eu estava lendo o livro “Evasivas admiráveis: como a Psicologia subverte a moralidade”, de Theodore Dalrymple (pseudônimo do psiquiatra inglês Anthony Daniels).
Apesar de gostar do autor, não posso deixar de registrar aqui um comentário acerca de uma das inúmeras bobagens que ele diz no capítulo 01 dessa obra a respeito das ideias de Freud.
Em determinado momento do seu festival de críticas infundadas, Dalrymple leva o leitor ingênuo a acreditar que, para Freud, “a frustração do desejo é a raiz da patologia”.
Nada mais falso! Essa alegação, aliás, é feita não só pelo autor, mas também por muitas outras pessoas, geralmente religiosas. Ela se baseia num conhecimento superficial do pensamento freudiano.
Freud nunca defendeu a tese de que os indivíduos se tornam neuróticos quando não conseguem realizar seus desejos. Isso é mentira!
Para o fundador da Psicanálise, a neurose resulta de um excesso de REPRESSÃO. E o que é a repressão? Ao contrário do que muita gente carola pensa, reprimir um desejo não significa não realizá-lo na prática. A repressão é um MECANISMO PSÍQUICO, ou seja, algo que se passa exclusivamente “na cabeça” do sujeito. Reprimir um desejo significa basicamente negar para si mesmo a existência dele, impedindo-o de se tornar consciente.
É esse processo mental que pode dar origem a uma neurose. E por que pode dar origem a uma neurose? Ora, porque esse desejo que eu reprimo não desaparece. Ele continua presente em mim de modo inconsciente e fica o tempo todo tentando se fazer reconhecer. Se eu mantiver a repressão, ele acabará tendo que se manifestar por meio de sintomas neuróticos.
Qual a solução proposta por Freud? O RECONHECIMENTO do desejo, ora bolas! Não necessariamente a realização dele! O sujeito não precisa colocar em prática o seu desejo reprimido para se curar! Não seja idiota, dr. Dalrymple!
Se a Psicanálise funciona, é justamente porque ela é uma tecnologia que possibilita ao sujeito o acesso e o RECONHECIMENTO dos desejos reprimidos. Se o paciente, após esse reconhecimento, vai realizar ou não o desejo, essa é uma questão ética que depende da decisão pessoal dele.
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Adorei o texto, Ninguém e perfeito. Gosto demais da visão de Dalrymple sobre alguns aspectos da conduta humana. Contudo ele poderia se aprofundar melhor ou utilizar uma consultoria antes de tratar um tema para não cair em associações espúrias. Sim, ri demais com a imagem e fala de Caetano Veloso. Usamos muito esse meme de Caetano. Comecei agora, aos 56 anos, a graduação em Psicologia e cai por acidente no seu blog.
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Seja bem-vinda, Jacqueline! Também gosto do Dalrymple. Tenho quase todos os livros dele aqui.
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Senhor Lucas Nápoli, bom dia!
Acho que o senhor pegou pesado com o Dalrymple (risos), mas o rigor técnico deve prevalecer (e nem sempre Dalrymple faz isso). Obrigado!
Mas me tire uma dúvida, por gentileza. O texto abaixo não seria um indicativo de que em alguns Freud realmente defendeu isso (pelo menos em alguns casos)?
“Pero así como el jinete se ve obligado alguna vez a dejarse conducir a donde su cabalgadura quiere, también el Yo se nos muestra forzado, en ocasiones, a transformar en acción la voluntad del Ello, como si fuera la suya propia.”
Freud, Sigmund; Classics, Golden Deer. Sigmund Freud: Obras Completas (Golden Deer Classics) (Spanish Edition) . Oregan Publishing. Edição do Kindle.
OBS:Essa citação está na obra “O Eu e o Id”
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Olá, Lucas! Mesmo neste caso, Freud não está advogando um “realize todos os seus desejos reprimidos”. Ele só está dizendo que uma vida sem nenhum tipo de satisfação sexual é praticamente inviável. Nem que seja pela via da masturbação, o sujeito inevitavelmente precisará ceder, “en ocasiones”, aos impulsos do id. Grande abraço!
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Amei o texto! Eu tenho transtorno obsessivo compulsivo ou como vocês chamam neurose obsessiva e acredito que esse texto possa me ajudar muito!
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Maravilha, Maria Vanessa! Grande abraço!
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