Quais são as suas compensações?

Embora não seja propriamente um conceito, a palavra “compensação” nos ajuda a entender com muita clareza uma das principais descobertas da Psicanálise.

Foram processos de compensação que Breuer, colega de Freud, vislumbrou nos sintomas de Anna O. ao criar o método catártico, embrião da terapia psicanalítica.

Se a paciente melhorava ao falar sobre sentimentos reprimidos, isso acontecia justamente porque seus sintomas eram uma forma de compensar a repressão.

Anna desenvolveu aversão a líquidos, por exemplo, por ter reprimido um sentimento de raiva ao ver o cãozinho de sua dama de companhia tomando água em um copo.

“Retorno do recalcado”: esse foi o termo técnico que Freud inventou para se referir à dinâmica psíquica que leva um sintoma a substituir uma reação reprimida.

De fato, os conteúdos que nós recalcamos (por culpa, vergonha etc.), não desaparecem nem ficam quietinhos e isolados num canto da alma.

Não! Eles retornam. Ou, pelo menos, tentam fazer isso…

Como diz o poeta, “sentimento ilhado, morto, amordaçado… volta a incomodar”.

A pressão do conteúdo reprimido para retornar à consciência nos obriga a criar algum sintoma ou inibição para compensar a repressão.

Há pessoas, por exemplo, que compensam a repressão de sua agressividade tornando-se exageradamente boazinhas e simpáticas.

Outros compensam a repressão do luto e da culpa por meio de uma alegria artificial e de um excesso de atividades e energia.

E não podemos nos esquecer daqueles que se tornam demasiadamente moralistas e rigorosos para compensar os fortes impulsos “proibidos” que reprimem.

O problema é que o recalcado pressiona tanto que os meios de compensação frequentemente se mostram insuficientes para proteger o sujeito da angústia.

Das duas uma: ou a compensação torna-se muito custosa ou começa a não funcionar, como uma faca que perdeu o fio.

Embora seja sofrida, essa experiência de fracasso pode ser muito produtiva, pois estimula a pessoa a questionar se vale a pena continuar fugindo de si mesma.

E tal indagação, por sua vez, pode acabar levando o sujeito à sábia decisão de fazer análise.


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A gente faz Psicanálise para trocar o amor à imagem pelo amor à verdade.

Uma das primeiras e mais importantes descobertas que Freud fez sobre o ser humano foi a de que todos nós somos apaixonados por nosso eu ideal.

Isso pode ser visto como muita clareza, por exemplo, nos casos que o médico vienense examina lá nos “Estudos sobre Histeria”.

Um deles é o de uma jovem que desenvolveu dores nas pernas porque escondeu de si mesma o desejo de ficar com o marido da irmã mais velha que acabara de falecer.

Por que essa paciente reprimiu esse impulso “talarico”?

Ora, por conta da paixão pela imagem idealizada que queria ter de si, ou seja, pelo amor que tinha por seu eu ideal.

De fato, pensar em pleno leito de morte da irmã “Agora meu cunhado está livre. Posso me casar com ele” não combinava muito com o modelo de moça 100% decente e virtuosa que ela queria encarnar.

Assim, na tentativa de caber no apertadíssimo vestido de seu eu ideal, a jovem fingiu para si mesma que o desejo de pegar o cunhado nunca havia lhe passado pela cabeça.

Resultado: adoeceu.

Adoeceu porque não quis se enxergar.

E não quis se enxergar porque estava mais apaixonada pela imagem idealizada de si do que pelo marido da irmã.

Isso também acontece com você e comigo, tá?

Todos nós construímos um modelo perfeitinho e imaginário de nós mesmos com base naquilo que vivenciamos e ouvimos na infância.

E aí passamos a vida inteira correndo atrás desse modelo e fazendo todo e qualquer sacrifício para nos tornarmos conformes a ele.

Tem gente que sacrifica o reconhecimento de sua vulnerabilidade porque quer porque quer se enxergar no espelho da alma como 100% forte e imbatível.

Tem gente, como a paciente de Freud, que sacrifica a afirmação de seu desejo em nome de um ideal hipócrita e inalcançável de suposta pureza.

E tem também aqueles que, fascinados pela imagem ideal de bonzinhos, vivem jogando para debaixo do tapete da consciência seus inevitáveis impulsos agressivos.

Um dos propósitos da Psicanálise é nos ajudar a perder essa paixão farisaica e escravizante pelo eu ideal — substituir o apego à imagem pelo amor à verdade.


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A gente faz Psicanálise para resgatar vínculos.

Ao contrário do que muitas pessoas pensam, a Psicanálise não busca simplesmente levar os pacientes a se LEMBRAREM de coisas que estão reprimidas no Inconsciente.

Em seus primeiros escritos, quando estava tentando entender as diferenças entre as neuroses, Freud costumava dizer o seguinte:

Na histeria, a pessoa expulsa um determinado pensamento inaceitável da sua consciência e a emoção ligada a ele acaba sendo descarregada no corpo, gerando um problema físico.

Por outro lado, na neurose obsessiva, o sujeito NÃO EXPULSA a ideia inaceitável da consciência.

Em vez disso, ele simplesmente quebra o vínculo entre a ideia e a emoção ligada a ela, deslocando esse sentimento para outra ideia. É daí que nascem os pensamentos obsessivos.

Ou seja, na neurose obsessiva, a ideia inaceitável PERMANECE no plano da consciência, só que sem causar incômodo, já que foi desconectada da emoção original.

Por exemplo:

Na infância, uma mulher pode ter feito brincadeiras s3xu4is com sua irmã.

Ao chegar na adolescência, a memória dessas brincadeiras se torna um pensamento inaceitável porque entra em choque com as convicções morais da moça e a imagem que ela deseja ter de si.

Aí, para se defender, caso seja uma neurótica obsessiva, essa mulher vai DESCONECTAR os sentimentos de culpa e vergonha que estão associados à lembrança infantil.

Tais afetos serão deslocados para outros pensamentos, mas a memória das brincadeiras com a irmã continuará na consciência.

Isso permitirá a essa mulher falar tranquilamente sobre o que aconteceu na infância, pois não sentirá absolutamente nada.

Nesse caso, o que está inconsciente não é um pensamento específico, mas a LIGAÇÃO entre a memória infantil e os sentimentos de culpa e vergonha.

Isso nos autoriza a dizer que, na Psicanálise, nós não nos empenhamos em levar os pacientes a tomar consciência DE CERTAS IDEIAS. Como vimos, essa consciência já pode estar presente.

Na verdade, nosso esforço vai na direção de ajudar o sujeito a restabelecer os VÍNCULOS entre elementos de sua vida psíquica — vínculos que ele mesmo rompeu para se proteger.


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Às vezes a gente até enxerga a verdade, mas não consegue aceitá-la…

— Mais uma vez eu não consegui me segurar, Marcela.

Foi com essa fala que Arthur iniciou sua 53ª sessão de terapia com aquela analista.

Sim, ele havia contado.

— Hum… — respondeu Marcela incentivando o paciente a continuar.

— Foi igualzinho como daquela outra vez lá no restaurante: o telefone dela tocou, ela olhou e não quis atender dizendo que devia ser a operadora do celular querendo enfiar alguma promoção.

— E aí?

— Aí o de sempre, né? Eu não consigo acreditar, não sei por que… Falei para ela me dar o telefone que eu queria ver o número.

— E ela te deu?

— Dessa vez, não. Ela falou que não aceitaria mais aquilo, que ou eu confiava nela ou a gente não ficaria junto. Aí eu comecei a falar mais alto, pedindo o celular e tentando tirar da mão dela.

— Onde vocês estavam?

— Na fila do cinema… As pessoas começaram a olhar, mas mesmo assim ela não queria me dar o telefone de jeito nenhum. Aí eu fiquei tão nervoso que saí da fila e deixei ela lá sozinha.

— Do mesmo jeito que a sua mãe fazia com o seu pai, né? — lembrou a analista.

— Exatamente… Mas como é que muda isso, Marcela? Eu já entendi que, de certa forma, eu tô reproduzindo o mesmo ciúme doentio da minha mãe, mas e aí?

— É curioso que você só tenha percebido isso aqui em análise, não acha?

— É… Eu sempre fui ciumento e desde criança vejo as loucuras de ciúme da minha mãe, mas foi só conversando com você que liguei uma coisa com a outra.

— Por que será que você passou anos sem conseguir fazer essa conexão?

— Não faço a menor ideia…

— Talvez essa resistência a se perceber parecido com sua mãe ainda não tenha sido vencida. Uma coisa é enxergar a verdade, outra é aceitá-la…

Com essa intervenção, a terapeuta Marcela pretende mostrar ao paciente que a mera tomada de consciência não é suficiente para produzir a melhora clínica desejada.

Quem está na CONFRARIA ANALÍTICA receberá hoje uma aula especial que trata justamente desse assunto.

O título dela é “LENDO FERENCZI 06 – Reconhecer o recalcado não é suficiente” e está disponível no módulo “AULAS ESPECIAIS – FERENCZI”.


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Você vive no sufoco?


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A gente faz Psicanálise para aprender que, de fato, nada podemos contra a verdade, senão em favor da verdade.

A Psicanálise nos ensina que a verdade incomoda, perturba e, não raro, se torna insuportável.

Pudera!

A mentira é confortável.

O autoengano tem lá suas vantagens.

As ilusões anestesiam…

Mas a verdade sempre retorna — onde menos se espera encontrá-la.

Lá onde se tropeça, se repete, se esquece…

A pedra que os construtores rejeitaram, tornou-se pedra angular.


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[Vídeo] Recado Rápido #11 – Formação reativa

Freud deu o nome de formação reativa a um mecanismo de defesa que consiste na expressão de sentimentos, atitudes, pensamentos e comportamentos cujo conteúdo é diametralmente oposto àquele que foi recalcado. O exemplo mais clássico dessa operação subjetiva é do sujeito que faz uso do moralismo excessivo para compensar “do lado de fora” as intensas fantasias eróticas inconscientes que se manifestam “do lado de dentro”. Neste 11º recado rápido, faço um breve comentário sobre esse curioso mecanismo.

Entenda a regra da abstinência de Freud (final)

Cena do filme "Um Método Perigoso"No post anterior, vimos que do ponto de vista freudiano a neurose é resultado de um conflito entre o recalcado (pensamentos, lembranças e desejos que jogamos para debaixo do tapete de nosso psiquismo) e o ego (a imagem que temos de nós mesmos e que, a princípio, seria maculada pelo recalcado). Vimos também que a neurose tem início quando sofremos uma frustração amorosa, a qual faz com que a nossa libido volte a investir os pensamentos que foram recalcados, levando o ego a se sentir ameaçado. A neurose seria, então, um acordo de “paz” selado entre o ego e o recalcado em que o primeiro permite que o último se manifeste desde que de forma disfarçada.

Pois bem. Se o recalcado só foi “reativado” porque a libido não pôde ser satisfeita com objetos da realidade externa (frustração), isso significa, portanto, que se um novo objeto se apresentar para a pessoa e essa passar a amá-lo, grande parte da sua libido tenderá a investir o novo objeto e abandonará os pensamentos recalcados. O que acontecerá então com eles? Serão novamente jogados para debaixo do tapete do psiquismo e permanecerão preparados para se manifestarem novamente caso uma nova frustração amorosa aconteça. Em outras palavras, o recalcado se comportará como um vírus que aguarda a ocasião em que o organismo estará debilitado ou com a imunidade baixa para poder agir.

Qual seria a saída para que o sujeito não ficasse tão vulnerável assim à ação do recalcado? Freud dirá: fazendo com que os pensamentos recalcados não sejam mais recalcados! Não entendeu? Eu explico: a única diferença entre os pensamentos que estão recalcados, ou seja, estão no inconsciente, e os que não estão é que os primeiros não podem, a princípio, ser objetos da consciência. Nesse sentido, fazer com que os pensamentos recalcados não sejam mais recalcados significa permitir que eles possam adentrar os salões da consciência – o que só será possível se o sujeito não se sentir ameaçado por eles. E como o sujeito poderá lidar com o recalcado sem se sentir ameaçado? Em primeiro lugar, aprendendo a ter uma imagem de si mesmo (ego) que não seja tão rígida e idealizada. Em segundo lugar, olhando para o recalcado de frente e se dando conta de que objetivamente eles não oferecem perigo algum. Esses dois processos sintetizam o que acontece durante um tratamento psicanalítico.

Neste ponto você pode estar pensando: “Ok. Até aí eu consegui entender. Mas você se propôs a explicar o princípio da abstinência defendido por Freud e até agora não falou muita coisa sobre isso.”. Não ouso discordar de você, caro leitor. De fato, era preciso estabelecer algumas bases antes de chegarmos ao ponto central desta explicação.

Disse no parágrafo anterior que a única forma de impedir que o recalcado se mantenha à espreita, como um vírus, seria fornecendo as condições para que ele pudesse se manifestar e entrar livremente no território da consciência. Ora, a neurose é justamente uma das condições que tornam isso possível! Afinal, os sintomas neuróticos nada mais são do que pensamentos recalcados se manifestando de forma disfarçada. Por outro lado, como frisamos, a neurose só aparece após uma frustração e pode muito bem desaparecer em função de uma nova ligação amorosa. Portanto, a condição sine qua non para que o recalcado possa ser reavaliado pelo indivíduo na análise é a abstinência de satisfações amorosas. Do contrário, isto é, se o indivíduo dirigisse sua demanda de ser amado ao analista e esse a aceitasse, a ligação amorosa entre o paciente e o terapeuta tomaria o lugar da neurose, impedindo a continuidade do tratamento. É por essa razão que, do ponto de vista freudiano, é preciso recusar a demanda de amor do paciente. É preciso manter o doente num estado de insatisfação suficientemente bom para que o recalcado permaneça se manifestando e possa se tornar objeto da consciência.

À guisa de conclusão, poderíamos dizer que a regra da abstinência é a diretriz técnica que torna possível tanto ao paciente quanto ao analista a descoberta e a análise do material recalcado. Como Freud costumava assinalar, é muito comum observarmos uma melhora súbita no quadro apresentado pelo paciente durante os primeiros meses de tratamento. Isso seria resultado da própria relação entre paciente e terapeuta, pois o primeiro investiria no segundo a libido que até então estava vinculada aos pensamentos recalcados. Essa melhora, contudo, não seria duradoura justamente porque o analista não forneceria ao paciente uma contrapartida a seu investimento libidinal. Assim, a libido do paciente não teria alternativa a não ser retornar para onde estava até então, a saber: no recalcado. Essa nova frustração amorosa sofrida pelo paciente produziria uma nova neurose que, dessa vez, estaria ligada à pessoa do analista.

Nesse sentido, ao manter o tratamento em abstinência, ou seja, recusando-se em atender a demanda de amor do paciente, o analista permite que a doença que teve origem fora do consultório possa ser atualizada no interior do setting analítico. Isso permite tanto ao paciente quanto ao analista trabalharem o recalcado e as formas que o ego tem de se defender contra ele não como resquícios de acontecimentos passados mas como fenômenos atuais.

Entenda a regra da abstinência de Freud (parte 1)

laura-week-two-1920Em 1915, no artigo “Observações sobre o amor transferencial”, Freud escreveu que “o tratamento [psicanalítico] deve ser levado a cabo na abstinência”. O público leigo poderia pensar que Freud estava apenas alertando os analistas para que jamais cedessem à tentação de terem algum envolvimento amoroso e/ou sexual com seus pacientes. O buraco, contudo, é mais embaixo. Para Freud, não se tratava de uma questão meramente ética, mas, sobretudo técnica. A abstinência em questão deveria ser mantida principalmente do lado do paciente.

Neste momento você pode estar se perguntando: “Como assim?”. Para entendermos porque Freud defendeu que o tratamento psicanalítico deve acontecer num estado de abstinência, é preciso levar em conta a forma como Freud entendia o surgimento de uma neurose, ou seja, do tipo de adoecimento psíquico que mais aparecia em sua clínica.

Para Freud, uma neurose, seja ela uma obsessão, uma histeria ou uma fobia, é sempre o resultado de um grave conflito psíquico. Conflito entre aquilo que o sujeito acredita que é (o que Freud chamou de ego) e determinados pensamentos, lembranças e fantasias que num primeiro momento lhe proporcionam muito prazer, mas que ele acaba mandando para o inconsciente porque não estão de acordo com a imagem que tem de si mesmo. Um exemplo bobo: uma moça criada em um contexto religioso muito severo acredita que não deve jamais fazer sexo oral com seu marido, pois isso a desqualificaria como mulher. Quando adolescente, no entanto, essa moça já teve fantasias de que fazia sexo oral em um professor. Como tais pensamentos eram incompatíveis com seu ego, a moça, embora sentisse muito prazer, recalcou-os no inconsciente.

Pois bem, a neurose, de acordo com Freud, poderá emergir justamente quando esses pensamentos que foram recalcados tiverem oportunidade de ser “reativados”. Se isso acontecer, o sujeito precisará se defender a fim de impedir que eles novamente se manifestem. Do contrário, terá de ver manchada a bela imagem que tem de si mesmo. Estabelece-se, então, uma guerra entre o ego e os pensamentos recalcados. Quem costuma vencer? Freud dirá: ambos! Ego e recalcado fazem uma espécie de “acordo”. O ego permite que o recalcado se manifeste desde que seja de forma disfarçada. A neurose é precisamente um desses disfarces! Na histeria, o recalcado se disfarça como sintomas corporais: dores, parestesias, formigamentos, vômitos etc. Na neurose obsessiva, o disfarce é constituído de pensamentos irrelevantes que não saem da cabeça do sujeito. E na fobia, o medo de um objeto, animal ou situação é a máscara adotada pelo recalcado.

E o que a abstinência tem a ver com tudo isso é o que você deve estar se perguntando. Ora, a questão que ficou em aberto acima é a seguinte: como é que os pensamentos, fantasias e lembranças recalcados entram novamente em ação? Freud responde: quando a libido, a energia sexual, retorna para eles. E como a libido retorna para eles? Quando ela não tem mais para onde ir. Não entendeu, né? Eu explico: quando estamos nos relacionando com alguém e nos sentimos satisfeitos com esse relacionamento, grande parte da nossa libido está investida na pessoa com quem estamos nos relacionando. Portanto, o recalcado não tem combustível para “subir” até as portas da consciência. Contudo, se por alguma razão, o relacionamento atual for rompido (seja pela morte da pessoa amada ou por uma separação mesmo) aquela libido que estava investindo o objeto de amor, acaba ficando livre, leve e solta. Como forma de compensar a frustração sofrida, ela vai reinvestir aqueles pensamentos que um dia nos provocaram satisfação. Que pensamentos são esses? Sim, os recalcados, que agora terão munição de sobra para entrarem em combate com ego novamente.

Em outras palavras, a neurose como “acordo” entre o recalcado e o ego só foi possível porque a realidade deixou o indivíduo num estado de… abstinência!

Leia a parte final

Cursos na Área de Estética

[Vídeo] Recalque

Atualmente, a palavra “recalque” e suas correlatas “recalcado” e “recalcada” têm se feito presentes com muita frequência no linguajar popular, especialmente entre os mais jovens. Ao contrário do que se poderia pensar num primeiro momento, isso não significa que a juventude brasileira esteja lendo mais sobre psicanálise. Por reviravoltas que a só a linguagem é capaz de provocar, a palavra “recalque” é utilizada não em sua acepção original psicanalítica, mas como sinônimo de inveja ou ressentimento. Levando isso em conta, decidi falar no vídeo abaixo sobre o sentido preciso que o conceito de recalque possui na teoria psicanalítica.

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