
No texto “A Questão da Análise Leiga”, de 1926, Freud diz o seguinte:
“O ego é uma organização caracterizada por uma tendência muito marcante no sentido da unificação, da síntese. Essa característica falta ao id; está, como poderíamos dizer, ‘toda em pedaços’; seus diferentes anseios perseguem suas próprias finalidades independentemente e sem levar em conta uns aos outros”.
Isso está entre as páginas 191 e 192 da Edição Standard Brasileira de 1996 das obras de Freud.
Nesse trecho, o autor está chamando nossa atenção para o fato de que, nas regiões mais profundas da alma (o id) todos nós somos incoerentes, ambíguos, ambivalentes e contraditórios.
Não se deve esquecer essa realidade porque, como Freud diz, o ego, isto é, a imagem que construímos de nós mesmos, tem uma tendência para a síntese.
Isso significa que a gente não suporta muito conviver conscientemente com a ideia de que podemos amar e odiar ao mesmo tempo uma pessoa, por exemplo.
O ego é aristotélico. Para ele, A só pode ser A; não dá para ser A e B ao mesmo tempo.
Talvez isso explique porque muitas pessoas tendem a enxergar a bissexualidade manifesta como homossexualidade enrustida.
Do ponto de vista egoico, a coexistência numa mesma pessoa de um desejo hétero e outro homossexual representa uma contradição que não pode ser admitida.
Nesse sentido, podemos pensar a neurose como sendo um tipo de adoecimento emocional derivado de um apego excessivo do sujeito ao próprio ego.
O neurótico está o tempo todo polindo e lustrando a imagem de si a fim de retirar dela qualquer “impureza”, qualquer coisinha que comprometa sua organização.
Assim, aquela pobre moça histérica precisa criar uma dor nas pernas para expressar o desejo de pegar o cunhado. Anseio que não se encaixa na imagem de santinha que ela tem de si.
Assim também aquele senhor obsessivo precisa se manter o tempo todo preOCUPADO para esconder do próprio ego o ódio que alimenta desde a infância pela mãe.
Na saúde, em contrapartida, o ego se apresenta mais permeável ao caos dionisíaco do id.
Na saúde, não temos medo da contradição, da incoerência e da ambiguidade.
Gozamos da liberdade de amar e odiar.
Ao mesmo tempo.
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