
Isadora deu uma rápida olhada na tela do celular antes de entrar no elevador e viu que já eram 19h15.
Ela sabia que, pela terceira vez, estava chegando bastante atrasada para a sessão com Bianca, mas, por alguma razão, não se sentia incomodada por deixar a terapeuta esperando.
Pelo contrário. Caminhando a passos lentos, como se estivesse adiantada, ela entrou tranquilamente na sala de espera e mandou uma mensagem para a analista: “Cheguei”.
Como já era o terceiro atraso seguido, Bianca achou que seria importante estimular a paciente a pensar a respeito:
— Nas últimas sessões você tem sempre chegado atrasada, Isadora. Por que será que uma parte sua não está querendo vir à análise?
A paciente não esperava essa pergunta e ficou bastante ruborizada, como se tivesse sido pega em flagrante fazendo algo errado.
— É que eu precisei lavar a louça antes de vir e acabei demorando muito… Mas deixa eu te contar o sonho que eu tive essa noite! — disse Bianca, ansiosa para mudar de assunto.
— Hum…
— Sonhei que eu estava viajando com uma menina de carro. Mas ela é quem estava dirigindo. Aí o carro parou no meio da estrada e, quando a gente foi ver, os quatro pneus estavam furados.
— Uma criança dirigindo? — perguntou Bianca a fim de encorajar a paciente a explorar esse detalhe do sonho.
— Sim! Estranho, né? E eu nem me importei! Estava super tranquila no banco do carona, só curtindo a viagem.
— Eu me lembro de ter dito a você, na primeira sessão, que o nosso trabalho seria como uma longa viagem de carro na qual você estaria no volante e EU no banco do carona…
Após esse comentário, Isadora começou a trazer alguns associações que, articuladas a apontamentos feitos pela analista, revelaram os pensamentos latentes do sonho.
O que estava sendo expresso de maneira simbólica e disfarçada era a INVEJA que a paciente sentia em relação a Bianca.
No sonho, Isadora transformou sua EXPERIENTE analista em uma criança e inverteu as posições da relação terapêutica: colocou Bianca para dirigir e ocupou o lugar da terapeuta (o banco do carona).
Verificou-se também que os quatro pneus furados remetiam aos quatro meses de análise.
Nesse sentido, Isadora estava expressando no sonho seu desejo inconsciente de ESTRAGAR a terapia (simbolizada pela viagem de carro).
E por que ela queria estragar a análise? Por inveja da analista!
Bianca verificou que a paciente havia transferido para a relação com ela a forte inveja que sentira da mãe, uma renomada professora, sobretudo no início da adolescência.
Isso explicaria tanto os atrasos frequentes quanto a inércia que Isadora apresentava no tratamento.
Com efeito, mesmo após quatro meses de terapia, a paciente não havia apresentado nenhum insight e nem a mais ínfima melhora.
A inveja inconsciente transferida para a relação com o terapeuta é um dos principiais obstáculos que podem surgir no tratamento psicanalítico.
A primeira autora a falar mais abertamente sobre essa questão foi Melanie Klein no ensaio “Inveja e Gratidão”.
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