Questionando o “óbvio”: a falta é a causa do desejo? (Adendo)

A causa do desejo é um objeto, o objeto a, um nome para a falta de objeto. Logo, o desejo é causado pela falta. Essa é a tese de Jacques Lacan para explicar a quase infinita variabilidade de objetos que podemos desejar. Desejamos uma multiplicidade de objetos e jamais experimentamos uma satisfação completa porque somos seres furados, faltosos. Esse é o argumento lacaniano.

Demonstrei que essa teoria é de fato correta desde que tomemos como parâmetro de razoabilidade a fantasia de gozo pleno do neurótico. Se aceitarmos que a psicanálise deva ficar refém de uma fantasia neurótica, a tese do desejo como decorrente da falta adquire total pertinência. Felizmente não é esse o caso. A psicanálise pretende tratar a neurose, não fazer de suas fantasias os fundamentos de seus enunciados teóricos. Se o neurótico se percebe como um eterno insatisfeito em busca de um gozo impossível, não se deve depreender disso que ele formula algo de verdadeiro a respeito do desejo.

Ao longo de minha argumentação, provei que não é preciso supor uma falta ou um furo para explicar o desejo. Se somos capazes de desejar múltiplos objetos, isso só evidencia a imensa variabilidade de coisas existentes que nos podem ser úteis, bem como a vasta potência dos nossos corpos de se conjugar a vários objetos.

A imagem que melhor ilustra a concepção lacaniana do desejo é a de uma dona-de-casa que perdeu o botão de uma camisa e, examinando toda a casa, jamais consegue encontrar o objeto perdido, achando pelo caminho uma série de outros botões semelhantes, sendo que nenhum deles pode substituir adequadamente a peça que sumiu. O desejo lacaniano seria essa busca sempre infeliz pelo botão perdido.

O que está como pano de fundo dessa concepção é uma visão da pulsão como um mecanismo desregulado, visão que começa em Freud com a ideia da criança como um perverso polimorfo e continua em Lacan com a teoria da falta.

A pergunta que não quer calar é: por que considerar a plasticidade da pulsão o signo de uma falta ou de um furo fundamental? Por que dizer que o ser humano é faltoso ou furado porque há uma variabilidade quase infinita de escolhas de objeto? Em outras palavras, por que fazer da riquíssima capacidade da pulsão de orientar-se em direção a múltiplas possibilidades o indicativo da perda de um objeto primordial?

Não estaria Lacan, ao teorizar o desejo como resultante da falta, manifestando uma espécie de decepção, frustração ou desapontamento pela inexistência de um objeto adequado à pulsão? Dito de outro modo, não estaria Lacan fazendo da queixa radical do neurótico uma condição necessária de todos os indivíduos?

É o neurótico que chega aos nossos consultórios queixando-se de que não consegue atingir um gozo pleno, de que gostaria muito de saber o caminho certo para a felicidade, mas só consegue desejar, desejar e desejar sem jamais se satisfazer. É esse o desejo neurótico, desejo que, na verdade, nada mais é do que esperança sempre frustrada de uma satisfação absoluta, expectativa de encontro com o botão perdido. É esse desejo doentio, impotente, romântico, que Lacan defende que seja o desejo de todos!

Ora, por que considerar que há um botão perdido a ser procurado? Se não há objeto adequado para a pulsão não é porque num passado longínquo, mítico, esse objeto existiu e foi perdido. A pulsão não é uma garrafa que perdeu a tampa! Ela assemelha-se muito mais a um imenso manancial que jorra incessantemente e cuja água pode desaguar em múltiplos rios, criados a partir das experiências de vida. Nesse sentido, o desejo não é reação à perda da tampa, mas sim uma ação primária, produção, potência. O desejo não é uma busca eterna de um objeto inexistente cuja posse supostamente daria ao sujeito o acesso a um gozo absoluto. Esse é o desejo doentio do neurótico!

O desejo é, na verdade, potência criativa, cuja variabilidade de possibilidades não foi forjada pela perda de um direcionamento único. A capacidade produtiva do desejo lhe é intrínseca, constitutiva. Em vez da imagem da dona-de-casa desesperada à procura do botão perdido, propomos como ilustração para o desejo a cena de um bebê diante de diversos brinquedos. Ora se diverte com um, ora com outro, sem esperança de encontrar nada, apenas fruindo espontaneamente o gozo de agir – atividade primária e não reativa.

Se a dona de casa procura o botão perdido, é porque tem esperança de encontrá-lo. Imagina a camisa sem defeito, com todos os botões adequadamente arranjados. É a imagem da camisa perfeita que fundamenta sua incessante busca. Não ocorre o mesmo com o nosso desejo. Se imaginamos uma completude, é fantasisticamente que o fazemos. Da mesma forma, só no interior de uma fantasia pode haver falta.

Por outro lado, a criança que brinca não o faz para atingir nenhuma completude, não anseia por um gozo absoluto. Brinca porque brincar faz bem, porque lhe proporciona prazer, alegria, lhe faz sentir-se viva, existindo, criando. Desejo, portanto, é criação e não um remédio para uma suposta falta.

14 comentários sobre “Questionando o “óbvio”: a falta é a causa do desejo? (Adendo)

  1. Julia V.

    Oi Lucas, tudo bem ? Obrigada pelo post.
    Na passagem do seu texto “Se não há objeto adequado para a pulsão não é porque num passado longínquo, mítico, esse objeto existiu e foi perdido.”
    Pela minha pouca leitura de Lacan, entendo que sim, um objeto existiu da vida do individuo e ofereceu completa satisfacao de todas as suas necessidades: o seio. E que ele foi perdido, pelo curso do desenvolvimento e pela conquista da autonomia.
    Me parece que essa experiencia, o seio, oferecendo tudo que a crianca precisa e em completa harmonia com a mae (basta ver uma mae amamentando seu filho nos primeiros dias: nao existe nada entre eles),essa experiencia fica gravada e para sempre fica como referencia – evidentemente fadada a nunca se realizar novamente.
    Sendo assim, peco desculpas por vir ate aqui, na sua “casa”, discordar de voce, com todo o respeito e carinho que vc merece.
    Um abraco
    Julia V.

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  2. Carlos Ferreira

    Oi Lucas, gostei de seu adendo.
    Você refere ao desejo como criação e não uma falta, tomando como exemplo uma criança.
    Contundo as crianças crescem e a medida que crescem surge a “falta”. Eu busco entender o seu ponto de vista, porém tenho que concordar com Lacan no que diz respeito ao mais gozar, ao objeto a, ao botão perdido pela dona de casa. Partindo dos conceitos lacanianos de neurose, psicose ou perversão, acredito que cada uma destas estruturas a seu modo traz em sí uma falta; algo que não é recoberto, o furo, o furo no real. Admito a possibilidade do desejo se configurar em criação, mas também não deixo de observar na clinica o desejo e a falta como um processo de frustração, da busca do mais gozar. Você diz que só no interior da fantasia pode haver uma falta. Aqui me pergunto e te pergunto: A vida, o real, não é justamente a fantasia que se insere, consiste e persiste, fazendo do sujeito escravo de seus próprios desejos, oriundos de suas fantasias?

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  3. Alexandre Brito

    Bom texto, camarada! O que acha que fazermos um texto em parceria para publicarmos em nossos blog’s? É preciso um tema.

    Sobre seu texto acima, me lembra de uma passagem e Deleuze no Anti-Édipo que diz: “O real não é o impossível, mas onde tudo é possível.”

    Deixo a frase no ar,
    oxigenada!
    Aberta ao debate…

    Interessante também esse pensamento que você convoca que a falta é sempre com alguma referência. A fantasia é uma forma de viver o mundo, e a ideia da perfeição hoje em dia é comum, bem como encontrar um medicamento na bolsa de uma pessoa qualquer. Essa experiência da falta existe em muitos âmbitos: na morte e na perda, no amor, mas não pode ser generalizada acerca de sua gênese ou daquilo que ela pode produzir.

    Você caminha com a filosofia da diferença.. tá andando demais com o povo do café filosófico, hein.. hahaha

    Abração, irmão!!!

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  4. Carlos Ferreira

    Oi Lucas, concordo com a Julia.
    Creio que a observação de Freud com o seu neto, naquilo que ele chamou de” for-da”, já é uma manifestação desta falta, quando a criança perceber que ela não é mais o objeto de desejo maior de sua mãe, ou seja, a mãe precisa se afastar dele para outros afazeres, para dar conta de outras falas, introduzindo assim a “falta”na criança.
    O que pensa você e a Julia sôbre isto!
    Somos seres de falta, não há completude neste mundo…. sigo concordando que o desejo pode ser uma fonte de criação, mas ainda assim esta criação é a resposta a uma falta.
    Espero a replica!

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  5. Lucas Nápoli

    Olá Carlos! Muito obrigado por compartilhar aqui suas observações. De fato, temos posicionamentos divergentes, mas meu dever é defender o meu peixe! rsrsrs

    Então, vejamos, você diz que observa na clínica “o desejo e a falta como um processo de frustração, da busca do mais gozar.”. Eu também observo pois o que mais aparece na clínica é neurose e esse é o desejo neurótico! Desejo de um gozo absoluto, ao qual eu justamente faço referência no texto. Todavia, do meu ponto de vista, não se pode tomar esse desejo de mais-gozar como referência para se pensar o desejo de modo geral, pois há muitas pessoas que não desejam o gozo absoluto, pois não são neuróticas, não estão presas à fantasia que sustenta a possibilidade de um gozo pleno. Quanto ao estatuto da fantasia, objeto de seu segundo questionamento, reconheço que, para Lacan, a fantasia é uma espécie de “tela” por meio da qual o sujeito lida com o real. Não obstante, a fantasia lacaniana é concebida como um produto de uma “insuficiência” do sujeito, já que para Lacan a fantasia é a construção simbólico-imaginária que o sujeito elabora para lidar com o enigma do desejo do Outro. Ou seja, se o desejo do Outro não fosse enigmático, a fantasia não teria utilidade. Essa visão confere um aspecto REATIVO à fantasia, de cunho caracteristicamente neurótico. Mais uma vez o problema é a generalização ou universalização da problemática neurótica. Será que podemos dizer que para todo e qualquer indivíduo o desejo do Outro é um enigma que demande uma fantasia? Ou ainda: será que para todo e qualquer indivíduo o Outro é uma instância exterior, enigmática, alienadora? Ou será que é assim apenas para o neurótico? Atualmente tendo a crer nessa segunda hipótese. Aí a fantasia como construção para dar conta do enigma do desejo do Outro, a fantasia como “tela do real”, passa a ser vista como peculiar APENAS à neurose, não tendo uma dimensão universal. Nesse sentido, nem todas as pessoas têm a fantasia do gozo pleno, mas, para aquelas que a têm, o desejo é visto como causado pela falta…

    No seu segundo comentário você faz referência ao episódio do fort-da narrado por Freud. Hoje tendo a interpretar de outro modo não só essa experiência quanto a ideia de que a ausência da mãe instaura a falta pra criança. Primeiramente, a criança não expressa desejos só depois que a mãe passa a se ausentar. Logo no primeiro dia depois do nascimento a criança já deseja o seio, ainda que a mãe esteja ali disponível o tempo todo. Além disso, o exemplo da criança diante da mãe que se ausenta é análogo aos exemplo que citei da sede e do chocolate: a priori a criança não deseja a mãe PORQUE ela se ausentou ou PORQUE deseje uma plenitude de gozo com ela, experiência que supostamente teria existido e teria sido perdida. Ela deseja a mãe PORQUE o encontro com a mãe lhe proporciona prazer, aconchego, acolhimento, ou seja, experiências que aumentam sua potência de agir (lhe fazem bem). Ela só desejará a mãe como um objeto de gozo pleno QUANDO E SE as ausências da mãe forem demasiado frequentes e longas. Nesse caso, a mãe passa a não ser mais experienciada pelo bebê como uma matriz constitutiva, uma extensão de si mesmo, mas como algo externo com um desejo enigmático (por que demora tanto a voltar?), tornando-se um Outro lacaniano. Mas há mães (ou ambientes) que não se comportam assim, permitindo ao bebê experienciar a ausência de forma gradativa, percebendo-a como uma contingência natural da vida e não como perda de uma experiência anterior de plenitude.

    Não sei se consegui ser suficientemente claro. Talvez se eu escrevesse mais um post me sairia melhor rsrs

    De todo modo, é sempre bom conversar contigo!

    Um forte abraço!

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  6. Carlos Ferreira

    Oi Lucas, bom dia…
    Pouco a pouco vamos encontrando a ponta do fia de Ariadne. Concordo com o seu pensar de que a falta se faz presente na neurose, no desejo do desejo Outro. Penso também que nem todas as crianças passam pelo for-da freudiano. A criança ao nascer já sente a falta, a falta do seio que lhe será dado. Aqui me remeto ao estadio do espelho, quando a criança toma consciência de seu corpo despedaçado e funda o seu “eu” que como você mesmo afirma, não necessariamente será eu “eu “de falta que irá se constituir num sujeito dentro de uma estrutura neurótica da falta. Tendo a concordar com seus pontos de vista sobre a fala e o mais gozar, contudo vivendo os cânones psicanalíticos, junto a alguns colegas, percebo como é difícil contrapor-se às questões da falta ou do mais gozar em Lacan. Os cardeais reagem enfurecidos.
    Estando eu em supervisão, certa vez fui arguido por minha supervisora sobre o por quê estudar tanto Psicanalise. Respondí-lhe que me fazia bem, que era um diletantismo para mim mergulhar em Freud e Lacan. A resposta não poderia ter sido mais contundente: “Ninguém faz nada por diletantismo, há um mais gozar nisto”! Ainda hoje esta resposta me persegue me colocando frente-a-frente com o tema desejo que você aborda. Perceba, ela é uma grande psicanalista, a quem admiro e respeito, porém a falta é algo amalgamado dentro dela, ( a meu ver) e daí pro mais gozar é um pulo.

    “Todavia, do meu ponto de vista, não se pode tomar esse desejo de mais-gozar como referência para se pensar o desejo de modo geral, pois há muitas pessoas que não desejam o gozo absoluto, pois não são neuróticas, não estão presas à fantasia que sustenta a possibilidade de um gozo pleno.”

    Este teu parágrafo é é brilhante, pois nos permite pensar o sujeito livre do desejo, livre de qualquer estrutura neurótica, psicótica ou perversão, algo que também me incomoda muito, pois posto como é posto pela maioria dos psicanalistas, não há sujeito que consiga escapar de uma destas estruturas.

    E de novo eu volto ao Real. Este registro na minha opinião é o mais entroncado dos três registros de Lacan, e o tenho buscado e de novo nos temos a falta, já que para o real sempre haverá um furo….

    Comparto aqui uma vivencia minha com você.
    Voltei dia 23 de Julho da Polônia, onde entre outras coisas fui visitar e mergulhar em AUSCHWITZ. Fui ver de perto os campos e estudar VIKTOR FRANKL. Saí de lá, consciente de que havia tido um encontro com o real absoluto, pois não consegui lá e nem aqui nenhum recurso linguístico, signo, ou algo que o valha que pudesse dar conta do que vivi alí.
    Não senti raiva, nem ódio, nem pena, nem dor,…. nada….absolutamente um nada, um vazio, um furo…..
    Aqui quero terminar, aguardando ansioso a tua resposta. Quero terminar com uma citação do Alexandre, quando se refere a Deleuze dizendo que “”O real não é o impossível, mas onde tudo é possível.”…. dentro desta ótica, foi o que senti!
    Abraços Lucas….
    Parabéns é lugar comum, mas Parabéns….
    Você continua me devendo uma artigo sobre os quatro discursos. Tenho um ótimo escrito do Jorge Forbes sôbre o tema, mas gostaria de ler você!
    Um abraço desde Florianópolis.

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  7. Lucas Nápoli

    Olá Julia! Pode discordar à vontade; o espaço de comentários serve justamente para que o leitor possa expor o que pensa e, assim, enriquecer a discussão. Tenho consciência de que, ao escrever esse texto, coloquei sob suspeita algumas ideias que se tornaram quase dogmas na teoria psicanalítica (pelo menos em sua vertente ortodoxa), o que torna o artigo um alvo para objeções diversas.

    Eu considero o que você disse bastante plausível e verificável em uma série de casos. O que eu questiono, como disse na minha resposta aos comentários do Carlos, é a UNIVERSALIZAÇÃO da dinâmica psíquica que você menciona.
    Que haja pessoas que sentem uma espécie de “nostalgia” por um estado de harmonia plena não há dúvida. Contudo, isso não significa, em primeiro lugar, que esse estado tenha existido em algum momento da vida (aliás, o próprio Lacan, a partir da invenção do conceito de “objeto a” diz que esse estado de harmonia plena jamais existiu). Não há nenhuma evidência que justifique a tese de que o seio satisfaça todas as necessidades do bebê. Para Lacan, o seio, as fezes, o olhar, a voz, podem ser tomados como “personificações” do objeto a, mas, a rigor, esse objeto não existe como tal. Existe apenas na fantasia neurótica ($ a).
    Além disso, a experiência mostra que as pessoas para as quais, como você disse, a experiência de satisfação ficou gravada como referência são justamente aquelas que jamais experimentaram uma experiência de harmonia com o ambiente. Aqueles que a experimentaram, incorporaram essa experiência de modo que não precisam mais buscá-la desesperada e nostalgicamente. Quem nunca se sentiu grato em relação à existência, sempre desajará mais e mais e mais e mais e jamais estará satisfeito.
    Enfim, aqueles que se comportam analogamente à dona-de-casa do meu exemplo, que procura incansavelmente um botão perdido, são justamente pessoas que jamais puderam em algum momento da vida sentir-se bem em roupa nenhuma. Do contrário, saberiam que a ausência de um botão não compromete a vestimenta. Quem não abdica do desejo de gozo absoluto, de achar o botão perdido, é o neurótico. E, do meu ponto de vista (e divergindo de Freud), não há apenas neuróticos.

    Mais uma vez, como disse na resposta ao Carlos, não sei se fui totalmente claro. Permaneço aberto às objeções e ao diálogo.

    Um forte abraço e apareça sempre!

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  8. Lucas Nápoli

    Olá Alexandre!!! Gostaria muito de poder publicar um texto em coautoria contigo! Vamos definir um tema!

    Você está certo… Tenho lido alguma coisa da filosofia da diferença. Contudo, considero que minhas maiores influências sejam, de fato, Spinoza, Winnicott e o pensamento do meu ex-orientador de mestrado, André Martins, sobretudo sua crítica ao conceito de pulsão de morte.

    Um forte abraço e vamos escrever juntos!

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  9. Carlos Ferreira

    Oi Lucas, eu aqui traveis…
    “Quem nunca se sentiu grato em relação à existência, sempre desajará mais e mais e mais e mais e jamais estará satisfeito.” Isto me parece fundamental na defesa da tua proposta, ainda que esta gratidão tenha sido experimentada por um só instante. Foi exatamente em busca desta vivencia que eu fui a AUSCHWITZ, ou seja, fui buscar as teorias de VIKTOR FRANKL, que me parecem fundamentais para a criação de sentido para uma vida que por si só, segundo Lacan não tem sentido algum…. afinal, nascemos, crescemos, nos desenvolvemos e morremos….
    Do lugar que eu vejo o mundo e a mim mesmo, percebo uma total falta de sentido para a vida na maioria das pessoas que me rodeiam… Você fala em UNIVERSALIZAÇÃO de conceitos, e aqui você faz “bingo”com cartela cheia. Particularmente eu sou refratário à tudo aquilo que aniquila a subjetividade e a singularidade do sujeito.
    De novo, volto ao mais gozar, propondo um questionamento: Como fugir ou evitar o gozo pleno. o mais gozar, quando falta ao sujeito um sentido para existir?
    Não sei se fui claro, mas continuo me perguntando sobre o estatuto do sujeito carente desta gratitude. Será este sujeito um neurótico?
    Lucas, você sabe que cutucaste Lacan com vara curta, mas este processo esta sendo ótimo…
    Seguimos…

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  10. Lucas Nápoli

    Olá Carlos! Espero em breve poder pagar minha dívida! rsrs É um tema bastante complexo. Teria prazer em oferecer uma leitura, digamos, mais simplificada ou menos truncada.

    Conheço pouco a obra de Victor Frankl, mas sei que ele trabalha muito com a questão do sentido. O episódio do massacre dos judeus pelos nazistas é, talvez, o episódio mais atroz e torpe da história humana e certamente nos leva a fazermos as seguintes perguntas: “Quais são os limites para crueldade humana?” e “O que leva um sujeito a propor o completo extermínio de toda uma etnia?”. São questões que desafiam nossa capacidade de pensar, sem dúvida, mas que, creio eu, podem ser respondidas! Para isso, no entanto, é preciso que não tenhamos medo de analisar o contexto histórico do surgimento do nazismo, o caráter de Hitler, até variáveis de ordem espiritual…
    Acho o conceito de Real extraordinário e utilíssimo para pensar a existência humana naquilo que ela tem de imprevisível, sobretudo. O problema, a meu ver, ocorre quando essa noção é utilizada tal como o conceito freudiano de pulsão de morte, a saber: para não explicar, para evitar a investigação das causas. Após a Primeira Guerra, Freud, respondendo à pergunta de Einstein “Por que a guerra?”, disse que os homens se agridem e, por vezes, se matam porque dentro deles age uma pulsão de morte. Ou seja, Freud explicou a agressão com uma tautologia: por que os homens agridem? porque dentro deles há uma pulsão agressiva. E o que prova que dentro deles há uma pulsão agressiva? O fato de que eles agridem.
    Temo que com o conceito de Real possa acontecer a mesma coisa. Tenho visto muitos analistas lacanianos utilizando o conceito dessa forma… Por isso, acredito que o modo como Deleuze elabora o conceito é mais interessante: campo de múltiplas possibilidades e não de IMpossibilidades.
    Creio que o “nada” que você sentiu na Polônia é mais do que apropriado. Talvez estejamos diante de um episódio de tão singular atrocidade que o único afeto possível seja mesmo essa sensação de vazio, de falta de sentido (para voltarmos a Frankl), o afeto desafetado.
    Como você disse no outro comentário, “cutuquei Lacan com vara curta” rsrsrs. Boa parte dos analistas lacanianos tem uma propensão muito forte para o dogmatismo. Acredito que isso se deve muito ao estilo lacaniano, marcadamente elíptico e cheio de frases enigmáticas, o que dá um certo contorno “mágico”, por assim dizer, ao autor. E não há nada melhor para o estabelecimento de dogmas do que a existência de um ídolo.
    Um forte abraço!!

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  11. Vanessa

    Olá Lucas!! Este título me intrigou, até tentei procurar um título ao inverso, que é do que ‘sofro’, rs. O que me falta é justamente o desejo. Meu analista me provoca dizendo que faço tudo como sendo uma obrigação, não assumindo qualquer desejo. Acabo me achando a estranha nesta história em que todos transbordam de desejos. Mas eu sinceramente não consigo me ver desejando algo. Digo a ele que desejar é justamente assumir que estou em falta, o que me angustia profundamente!! Pois ter que ir atrás de um desejo e ser dependente dele é tirar todo meu poder.
    Há algum post seu relacionado a isto?
    Seu blog para mim é referência, além de inteligentíssimo você consegue transmitir com muita compreensão e prazer os conteúdos, tanto com a escrita quanto com suas falas nos vídeos. Parabéns! Você é extremamente necessário à sociedade!

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  12. Lucas Nápoli

    Olá Vanessa! Muito obrigado pelo comentário e pelos elogios! Sugiro a você faça uma pesquisa aqui no site pela palavra “transferência”.

    Forte abraço!

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  13. Luciano Adversi

    Lucas, agradeço a inspiração. A causa do desejo é uma temática importante para mim. Posso citar o artigo numa tese? E como citar? aguardo as referências por favor. Muito obrigado!

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