Por que muitos adolescentes atravessam uma fase de excessiva timidez em relação ao sexo oposto?

Diferentemente do que insistem em dizer os médicos e psicólogos, de acordo com o saber psicanalítico (que, a propósito, é derivado da clínica), a adolescência não é o primeiro momento de manifestação da sexualidade.

Guerra e paz
Freud demonstrou que a sexualidade já se faz presente desde o nascimento e, sobretudo, nos primeiros cinco anos de vida se apresenta de modo bastante intenso. Nesse primeiro momento de irrupção da pulsão sexual, a libido circula predominantemente por zonas do corpo que estão mais diretamente ligadas às necessidades básicas do indivíduo, a saber: a boca e o ânus. É só na puberdade que os órgãos genitais irão adquirir proeminência como zonas de excitação sexual e, ainda assim, por uma necessária intervenção da cultura.

Nesse sentido, o período da adolescência testemunha um segundo movimento de expressão aguda da pulsão sexual. Entre mais ou menos os cinco ou seis anos de idade e a puberdade (por volta dos dez ou onze anos) estabelece-se um período que Freud chamou de “latência”, pois durante essa faixa de tempo a pulsão sexual estaria num período de relativa calmaria, permitindo ao sujeito internalizar de modo tranqüilo os ensinamentos morais e educacionais que lhe são impostas pelos pais e pela sociedade. Na adolescência, esse período de “trégua” da pulsão sexual é abruptamente desfeito e a sexualidade retoma suas armas com uma força tão grande que chega a assustar o jovem que, em função do período de latência, esquecera-se de que em seu corpo habitava tamanha volúpia.

“Por isso essa força estranha…”

Esse retorno súbito da pulsão sexual, sem aviso prévio, é um dos motivos que leva o adolescente a se sentir inadequado, desconfortável, envergonhado e, por conta disso, a refugiar-se, muitas vezes, numa atitude de isolamento e timidez. Ao ser tomado de assalto por aquela estranha força que curiosamente advém de si mesmo e que traz consigo uma série de alterações no corpo (pêlos, menstruação, crescimento dos seios etc.) o adolescente se sente como se estivesse o tempo todo nu. Isso ocorre porque a pulsão se manifesta de modo tão intenso que começa a parecer ameaçadora, de modo que a imagem egóica que o sujeito havia constituído até então para si torna-se frágil. A sensação de nudez perene é uma das formas possíveis de elaboração pela via da fantasia da da insegurança gerada por tais alterações subjetivas.

Fantasmas de amor

No entanto, um número grande de adolescentes experimenta um retraimento muito mais severo em relação ao sexo oposto e isso está ligado não tanto à segunda irrupção ameaçadora da pulsão sexual, mas à primeira. Explico: no advento da pulsão sexual na infância, dissemos que a libido está bastante fixada na boca e no ânus, que são zonas do corpo ligadas à satisfação de necessidades fisiológicas do indivíduo.

No entanto, para que o pequeno infante pudesse se satisfazer sexualmente a partir dessas zonas, outras pessoas tiveram que se fazer presentes na vida do bebê. Que pessoas são essas? A mãe, o pai e/ou outros que estivessem cuidando do bebê na época. Uma dessas outras pessoas forneceu o seio ou algum substituto para a satisfação da necessidade de alimentação e, ao mesmo tempo, estimulou a mucosa da boca do bebê fazendo com que ele obtivesse um prazer a mais, um prazer que não era o da saciedade por ter sido alimentado, mas um prazer ligado propriamente à estimulação da mucosa da boca, um prazer, portanto, sexual. Embora esse prazer fosse essencialmente autoerótico, ele passou a estar irremediavelmente ligado à pessoa que forneceu o objeto para que ele fosse sentido. Lembrando que essa pessoa geralmente é a mãe. O mesmo ocorre com o prazer ligado à satisfação da necessidade de excreção. Conquanto esse prazer, para ser sentido, independa de outra pessoa, afinal a estimulação do ânus é feita pelas próprias fezes, o pequeno animal civilizado humano depende de alguém que limpe seu bumbum, o que faz com que o prazer de defecar passe também a estar ligado a uma pessoa. Lembrando que geralmente quem faz a higiene do bebê é a mãe ou o pai.

O que quero dizer com tudo isso? Que na infância a pulsão sexual está geralmente associada a pessoas bastante específicas: os pais! Nesses primeiros momentos, tradicionalmente chamados de fase oral e fase anal, o sexo dos pais não é relevante, pois o mais importante é o prazer localizado que o bebê sente. No entanto, por volta dos cinco anos, a criança começa a se fazer perguntas acerca da diferença entre homem e mulher e, concomitantemente, a se interessar sexualmente e ter fantasias com o genitor do sexo oposto, iniciando uma relação de rivalidade com o genitor do mesmo sexo. Trata-se do que Freud chamou de “complexo de Édipo”.

Curiosamente, nesse trágico momento, em que as fantasias sexuais em relação ao genitor do sexo oposto começam a se intensificar, a pulsão sexual resolve proclamar trégua e se inicia o período de latência! Como a sexualidade, durante toda a latência, estará num estado de calmaria, o sujeito inevitavelmente recalcará (esquecer-se-á deliberadamente) a paixão que nutria pelo genitor do sexo oposto. Em outras palavras, na latência, a menina não mais se lembrará do seu sonho de casar-se com o papai e tampouco o garoto se recordará dos sonhos que nutria de ocupar o lugar do papai na cama da mamãe.

Quando chega a adolescência e a pulsão sexual novamente se levanta, para-além de ser invadido por tamanha força libidinal, o jovem se vê às voltas com um terrível impasse: por um lado, a cultura lhe diz que ele deve se engajar num processo de busca por alguém que seja ao mesmo tempo do sexo oposto e de fora do seu círculo familiar. Por outro, a retomada da pulsão sexual traz consigo os antigos objetos de amor dos tempos de criança, ou seja, os pais e, especialmente, o genitor do sexo oposto. A diferença é que agora o jovem já está com a proibição do incesto inculcada na sua cabeça, de modo que em vez de experimentar o intenso desejo sexual que nutria pelo genitor do sexo oposto aos cinco anos de idade, ele sente nojo, vergonha, dor psíquica. Ao mesmo tempo, e para desespero do adolescente, como o seu referencial de objeto de amor é o genitor do sexo oposto, toda vez que ele olha para alguém que lhe desperta desejo sexual o que ele vê é o genitor do sexo oposto, ou seja, incesto!

É óbvio que tudo isso não acontece de modo consciente. Portanto, não tente perguntar a nenhuma adolescente se ela fica vendo a imagem do pai em todo garoto pelo qual se interessa. Ela provavelmente lhe dirá que isso é ridículo e que se sente apenas insegura e com medo de levar um fora, mas sequer suspeitará que, por trás dessas racionalizações, há uma fantasia de incesto que ainda roda com bastante força em seu inconsciente. Não obstante, a clínica com sujeitos adolescentes (e adultos) demonstra que essa inferência é plenamente justificada.

Tente, todavia, fazer um exercício mental. Tente se imaginar no inconsciente de um jovem de 13 anos que está apaixonado por uma colega de sala. Você verá que toda vez que ele se imagina ao lado da garota surpreende-se ao constatar que quem de fato está ao seu lado é sua mãe! Ora, não seria natural que esse adolescente não conseguisse sequer se aproximar da jovem?

Pois é exatamente isso o que acontece com inúmeros adolescentes. Sua timidez não é oriunda da situação atual em si, ou seja, ele não é tímido porque teme não conseguir conquistar a garota. Essa é uma modalidade já adulta de timidez. O adolescente não consegue sequer cortejar a garota por que ainda é assombrado pela imagem daquela que na infância fora a rainha de seus sonhos, a mãe. No inconsciente do jovem, a libido ainda está bastante aferrada ao objeto primitivo materno, de sorte que ainda demorará algum tempo até que ele possa contar com uma conta suficiente de libido para investir em outro objeto sexual. Alguns, sequer com a passagem do tempo, conseguem se desvencilhar do fantasma materno. Encontrá-los-emos, provavelmente, no divã.

Quer saber mais sobre adolescência na perspectiva da psicanálise? Adquira agora mesmo, por apenas R$ 17,91, Adolescência – ato e atualidade, de Bianca Bergamo Savietto, que é doutora em Teoria Psicanalítica. Veja a sinopse do livro:

Esta obra, fruto de uma pesquisa de mestrado em Teoria Psicanalítica, pretende explorar o incremento do fenômeno das passagens ao ato entre os sujeitos adolescentes. Partimos de um breve estudo sobre a especificidade do trabalho psíquico demandado na adolescência, o qual serve de base para uma reflexão sobre a revivência da situação de desamparo. A partir dessa reflexão, tentamos mostrar como uma eventual convocação do corpo, sob a forma do ato, possui caráter de resposta extrema, à qual o ego pode apelar diante de uma vivência interna de transbordamento pulsional, aliada a um estado de fragilidade narcísica. Tais aspectos, de natureza metapsicológica e psicopatológica, são também articulados com peculiaridades do contexto em que vivem hoje os adolescentes ocidentais. Buscamos demonstrar o quanto a dimensão de desamparo, com toda sua complexidade, tem sido determinante no incremento do fenômeno das passagens ao ato na atualidade. A análise dessa questão é desenvolvida tendo como pano de fundo primordial o âmbito privado da família.

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8 comentários sobre “Por que muitos adolescentes atravessam uma fase de excessiva timidez em relação ao sexo oposto?

  1. Alisson

    Cara, eu era o mestre da timidez na adolescência. As pessoas iam lá em casa fazer uma visita e eu ficava no quarto! Até pra comprar roupas a sapatos tinha que levar alguém de companhia, geralmente minha mãe. Foi muito difícil essa fase, principalmente porque era complexado com meu corpo. Não sei se isso aconteceu pela perda de mau pai aos 11 ou porque era pra ter sido assim mesmo! Antes dos 11 eu não era tímido, muito pelo contrário, era até bem extrovertido. Mas a educação dada pelo meu pai era sob “mão de ferro”. Sou um forte candidato ao divã. Abração Lucas!

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  2. Lucas Nápoli

    Olá Alisson! Todos nós somos fortes candidatos ao divã, com exceção, talvez, de alguns psicóticos e dos verdadeiros católicos, como dizia Lacan! (risos). Basta procurarmos um analista para sermos eleitos!

    A timidez, não só em relação ao sexo oposto como eu abordo no texto, mas a pessoas de fora do círculo familiar de forma geral, é bastante comum sobretudo no início da adolescência. É claro que em cada indivíduo a timidez possui suas especificidades tanto na forma de manifestação quanto em relação aos fatores condicionantes. No seu caso, por exemplo, as transformações da adolescência, conjugada aos aspectos que abordo no texto parecem se associar a determinantes singulares que você próprio cita: a “mão de ferro” do seu pai e a morte dele, justamente aos 11 anos.

    Continue acessando o blog!

    Um forte abraço!

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  3. marcos

    ola lucas, como sempre um excelente texto, agora, fugindo um pouco do tema gostaria que você, se possivel me esclarecesse uma duvida: qual o sentido da palavra alma em psicanalise, ou seja qual o seu significado?
    grande abraço.

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  4. Lucas Nápoli

    Olá Marcos! De modo geral, em psicanálise a palavra “alma” não possui nenhuma significação específica, sendo utilizada raramente como sinônimo de psiquismo ou de mente. Não obstante, no texto “Televisão”, Lacan parece utilizar o termo “alma” como equivalente à consciência ou ao ego, instância da ilusão de autonomia e livre-arbítrio.

    Espero ter esclarecido.

    Um forte abraço!

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  5. Beto

    Olá Lucas.
    Tenho 16 anos, me interreso muito pelos assuntos referentes a psicanálise, alguns assuntos ainda são difíceis de compreender, talvez pela minha pouca idade.
    Tenho uma grande timidez em relação ao sexo oposto, mas sou timido porque “temo em conseguir a garota” e não por visualizar no sexo oposto a imagem materna (depois de pensar muito cheguei a essa conclusão).
    A psicanálise explica isso ?, ou seria um assunto compléxo que não caberia ser respondido no Blog.

    Gostei muito do Blog

    Abraços.”!

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  6. Lucas Nápoli

    Olá Beto! Creio que o fato de você considerar que se sente tímido porque “teme conseguir a garota” não impede que por detrás dessa sua hipótese consciente de explicação para sua timidez haja um temor inconsciente do encontro com a figura materna. Pelo contrário! Talvez (TALVEZ!!!) o suposto medo de conseguir a garota ocorra justamente porque esteja rodando em seu inconsciente uma fantasia incestuosa, de modo que qualquer encontro com uma garota corresponda no inconsciente ao contato sexual/amoroso com a mãe. É apenas uma hipótese, que só poderá ser verificada dentro de um processo psicanalítico.

    Portanto, respondendo à sua pergunta: a psicanálise explica isso sim! hehe

    Espero ter te ajudado!

    Um forte abraço e apareça sempre!

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  7. César

    Olá Lúcas, ótimo blog o seu, estou aprendendo muito aqui.

    De modo geral, como é visto o medo de falar em público pela psicanálise ?
    Obrigado.

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  8. Lucas Nápoli

    Olá César!
    Não é possível fornecer uma resposta geral capaz de contemplar todos os casos de pessoas que apresentam medo de falar em público. Cada caso é um caso.
    Muito obrigado pelo comentário e continue acessando o blog!
    Forte abraço!

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